Apertem o cinto, o banco fugiu

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Aquela agência bancária que tinha uma imensa clientela de aposentados em Muzambinho fechou as portas e os deixou órfãos. Muitos ficaram desapontados e meio perdidos, depois de anos participando daquelas filas imensas que se formavam na porta, para sacar o benefício do INSS. Debaixo de chuva ou sob o sol ardente das dez horas da manhã.
Em consequência, os clientes foram pulverizados pela cidade, nos bancos remanescentes, desconstruindo anos de amizades conquistadas no convívio mensal da fila do banco. Com certeza tem gente sentindo falta dessa interatividade.
Sinal dos tempos. Reflexo da modernidade. Caminho sem volta. As instituições financeiras, como as conhecemos no passado, não existem mais. Estão cada vez mais virtuais e menos físicas. Muitas agências ainda serão fechadas no futuro próximo. Talvez todas. Restarão os aplicativos de celular e, talvez, umas poucas salas de autoatendimento.
O uso de dinheiro em espécie, conhecido no passado como tutú, ao vivo e em cores, está cada vez mais fora de moda. A maioria dos pagamentos já é feita por cartão magnético ou pix. A modernidade ─ e a praticidade ─ pressiona nossas vidas e nós, os mais velhos, temos grandes dificuldades para acompanhar tantas novidades tecnológicas.
Porém, o fechamento do banco na cidade teve o poder de me fazer lembrar uma história que ouvi quando era ainda um adolescente. Naquela época eu tive um colega de escola que era natural da cidade de Juiz de Fora e filho de pai militar. O nome dele eu não lembro, também um sinal dos tempos (memória ruim), mas lembro do nome do pai, por um motivo muito simples: era o Tenente Éder, comandante do Tiro de Guerra 04/004, na cidade de Alfenas, onde prestei o serviço militar e (quase) me tornei um valoroso defensor da Pátria (há, há, há).
Esse meu colega de escola, filho do Tenente, contava uma história que teria se passado lá na sua cidade natal, na Zona da Mata Mineira, no início da década de sessenta do século vinte. Vamos a ela!
Naquela época havia por lá um proprietário rural muito rico e poderoso. Seu nome era Neca Pedreira e ele carregava o título de Coronel, resquício do coronelismo que predominava no interior mineiro até bem próximo do final do século XX.
O Coronel Neca Pedreira mantinha uma polpuda conta em um banco da cidade, cuja agência estava localizada na Av. Barão do Rio Branco, a principal artéria do centro da Manchester Mineira. O fazendeiro era muito cuidadoso com o dinheiro que saía das imensas lavouras de café de suas terras e o tratava com muito carinho.
Um dia, enquanto caminhava distraidamente pelo centro da cidade, o Coronel passou diante da agência do banco na qual mantinha a conta recheada com seus milhões. Era um prédio antigo e bem conservado, com grandes janelas envidraçadas. Ele trajava sua vestimenta preferida: um velho terno cinza, desbotado e meio puído pelo uso constante. Na cabeça, um grande chapéu de palha já bem encardido. O traje se completava com as botas de cano longo que iam até próximo do joelho.
Quando passou por uma das grandes janelas, o Coronel olhou distraidamente para dentro do prédio. Alguma coisa lá dentro chamou-lhe a atenção. Ele parou bem em frente da janela e olhou atentamente para o interior da agência bancária.
Avistou a mesa do gerente logo à direita, a fileira de caixas bem em frente e os vários funcionários circulando pelo recinto. Muitos clientes também estavam na agência, tratando dos seus interesses. O Coronel ficou ali por alguns instantes, tentando ver com clareza o que é que havia despertado a sua atenção.
Não demorou em descobrir. O fato que tinha despertado sua curiosidade era o extremo cuidado com que se vestiam o gerente e demais funcionários, todos homens, como era comum naquela época.
Eles trajavam ternos completos, com coletes e gravatas combinando com o tom escuro do tecido. Os pés brilhavam com sapatos impecáveis. O cuidado com a aparência era completado pelas barbas bem aparadas e pelos cabelos devidamente penteados e besuntados com brilhantina.
O fazendeiro olhou para sua imagem refletida na grande vidraça do banco, que formava um espelho improvisado. Com a mão esquerda ele tirou o chapéu e expôs sua cabeleira já meio esbranquiçada, com a direita ele coçou a barba espessa e rebelde. Estava matutando sobre aquelas imagens que se refletiam em suas pupilas. A seguir, ele pensou em voz alta:
─ Pera aí, se eu, que tenho uma furtuna aí nesse banco, ando vistido qui nem um rocêro, cumé qui esse povo aí dentro si veste iguar us magnata das Oropa? Isso num tá certo! Vô dá uma oiada nesse negóço!
Não teve dúvidas. Entrou na agência, dirigiu-se a um dos caixas disponíveis e se identificou, usando o seu mais autêntico sotaque caipira misturado com a chiação da pronúncia carioca:
─ Taaarrrdeee! Meu nome é Neca Pedrêra…
O caixa assustou-se um pouco com a voz alta e autoritária do fazendeiro. Depois de uma breve hesitação, respondeu:
─ Boa tarde! Eu o conheço. O Senhor é nosso correntista. Posso ajudar?
Nervoso e apressado, o Coronel deu um tapa no balcão e exigiu:
─ Quero vê o meu dinhêro que eu depositei aqui nesta agência! Quero vê e contá o meu dinhêro! Agora! Vô contá tudo pra cunferir cada centavo do meu suado dinherinho! E num priciso di ajuda, não! Eu conto suzinho!
Como era de se esperar, instalou-se um pandemônio na agência bancária. O gerente foi chamado e tentou esclarecer ao cliente ilustre que o dinheiro dele, uma quantia exorbitante, não estava todo ali na agência, por questões de segurança. Eram milhões de Cruzeiros, a moeda da época.
Mas o fazendeiro milionário não queria nem saber. Gritava e batia no balcão:
─ Fais o favô di colocá o meu dinhêro aqui no barcão qui eu vô contá tudim! Inté a úrtima mueda! E vamu logo cu’isso qui eu num tenho o dia intêro pra perdê, não!
O gerente então pediu calma e um tempo ao Coronel. Chamou alguns funcionários e determinou:
─ Corram nas agências vizinhas, expliquem rapidamente a situação e peçam dinheiro emprestado pra gente mostrar ao Coronel. Digam que logo nós devolvemos.
Dentro de poucos minutos todos estavam de volta com vários sacos de dinheiro. Colocaram sobre o balcão, junto com o que já havia ali, e o fazendeiro começou a contar. De vez em quando molhava os dedos na ponta da língua e dava uma cuspida no chão. Quando estava finalizando, ao final de quase três horas, o gerente percebeu que poderiam faltar alguns trocados. Pediu então que todos os funcionários virassem os bolsos, contribuindo para a fortuna do Coronel. Meio a contragosto, todos obedeceram.
O dono da fortuna contou a última moeda e deu outro tapa no balcão, ao mesmo tempo em que falava bem alto:
─ Pode guardá! Tá tudo aí, mermo!
O gerente, curioso e muito irritado, quis saber porque o fazendeiro fez questão de contar o dinheiro:
─ Diga aí, Coronel, por que é que o senhor quis contar todo o seu dinheiro depositado aqui?
O milionário coçou a barba, mexeu no chapéu, cuspiu de lado e falou bem devagar, enquanto fazia um gesto indicando os funcionários do banco:
─ Óia, eu queria só sabê si ocêis num tava luxano com o meu dinheiro…
O gerente balançou a cabeça e soltou um palavrão que, por educação, não pode ser reproduzido aqui.
Fim da historinha.
Pois bem, caros leitores, já sabemos que os bancos como os conhecemos no passado já não existem mais. Na verdade, até as agências estão deixando de existir. Pra ser mais preciso, até mesmo o dinheiro de verdade, notas e moedas, está cada vez mais escasso. Tem muita gente que não usa dinheiro em espécie há um bom tempo. As transações eletrônicas dominaram os meios de pagamentos e são um caminho sem volta.
Só para ilustrar, creio que muita gente nunca viu, ao vivo, uma nota de duzentos reais. Virou raridade. A cédula foi lançada em setembro de 2020 e é mais rara que as notas de um real que saíram de circulação há mais de vinte anos.
Esta é a realidade do momento. E as mudanças acontecem cada vez mais rápido. Fica difícil saber o que nos reserva o futuro que está logo ali, virando a esquina. Mas de uma coisa nós já temos certeza: esse futuro não inclui as tradicionais agências bancárias, onde íamos sacar dinheiro vivo e conversar fiado na fila. Isso é passado…
Bom, pelo menos ainda temos as lotéricas, né?

José Nário F. Silva (Muzambinho/MG)

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