Uma libertação antecipada da escravatura de 202 cativos que não aconteceu

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Na sexta-feira, 13 de maio, completam-se 134 anos da libertação da escravatura negra no Brasil, porém a dura realidade vivida atualmente pelos afro-descentes merece ser tradada com mais respeito, para que seja proporcionada a igualdade de direitos a todos os cidadãos.
A tradição oral, e até mesmo alguns historiadores, mencionam que, supostamente, uma libertação antecipada da escravatura teria acontecido, no que hoje constitui o município de Guaxupé, em 12 de maio de 1881, porém todas os indícios e provas indicam que o fato não ocorreu.
A totalidade da documentação encontrada até agora indica que esta libertação jamais teria ocorrido. O que se tem de verdade é que foi utilizada mão-de-obra livre, assalariada, na implantação das primeiras lavouras de café em escala comercial, a partir de 1875.
Como se sabe, toda história tem duas faces, a que é contada e a que ocorreu atrás dos bastidores.
Em séculos passados, possuir escravos era um bom negócio. Era uma mercadoria de fácil liquidez, de grande procura e que significava status e poder. A atividade escravagista era lucrativa e responsável pela criação das grandes fortunas, seja pelas “crias”, pelos serviços prestados pelos escravos ou mesmo pelo aluguel dos mesmos. O escravo poderia ser dado como garantia de dívidas.

A LIBERTAÇÃO QUE NÃO OCORREU – Segundo a tradição oral, em 12 de maio de 1881, o Barão do Guaxupé, Manoel Joaquim Ribeiro do Valle, com uma procuração dos demais proprietários de escravos de Dores do Guaxupé, teria vindo até a Câmara Municipal de Muzambinho promovendo a libertação de 202 cativos.
A primeira contradição está no fato de que a Câmara Municipal não seria o local apropriado para se libertar escravos. O segundo fato é que o livro de atas daquela Casa Legislativa, referente ao ano de 1881, está há muitos anos desaparecido.
Como é que se poderia fundamentar uma afirmação desta natureza sem nenhuma comprovação jurídica? O local apropriado para se libertar escravos era o Cartório do Escrivão de Paz e Tabelião de Notas, através de cartas de alforria, às quais deveriam ser registradas nos livros competentes. Numa análise minuciosa nos 41 livros de notas e nos dois livros de registros de negociações de escravos, arquivados no atual Cartório do Registro Civil de Guaxupé, não se vislumbra nenhum indício de libertação em massa de escravos. O que se comprova é exatamente o contrário. As negociações, ou seja, a compra e venda, as permutas e as doações de escravos aconteceram normalmente até 19 de fevereiro de 1887.
O inventário de Maria Sabina Ferreira, cunhada do Barão do Guaxupé, foi autuado em 26 de fevereiro de 1883, no Termo Judicial de Muzambinho. Nos autos são arrolados, avaliados e partilhados 26 escravos.
O testamento do Coronel José Leite de Araújo foi redigido pelo seu sobrinho, Manoel Joaquim Ribeiro do Valle, em 23 de fevereiro de 1885, menciona, entre outras disposições: “… deixo a minha escrava Theodora Crioula a quantia de cem mil réis, em remuneração aos bons serviços que tem prestado a minha sobrinha Esméria. Deixo livre os meus escravos Félix de Nação, Catharina de Nação e João de Nação. Declaro que deixo a todos os meus escravos, digo, a todos os outros meus escravos que estiverem na época do meu falecimento, para servirem como cativos a meu primeiro testamenteiro e sobrinho, Manoel Joaquim Ribeiro do Valle, pelo tempo de cinco anos, contados da data do meu falecimento, findo este prazo dará plena liberdade…”
O Coronel José Leite de Araújo faleceu em 31 de março de 1891 e, nesta época, os escravos já estavam de fato libertos pela Lei Áurea, de 13 de maio de 1888.
Outro importante documento que comprova a existência de negros em regime de escravidão em Guaxupé no ano de 1887 é o inventário de Esméria Cândida Ribeiro, esposa do Barão do Guaxupé. Ela faleceu em 13 de março de 1887 e seu inventário foi autuado no Termo Judicial de Muzambinho, em 28 de maio daquele mesmo ano. Naqueles autos são arrolados, avaliados e partilhados 36 escravos.
Se o Barão realmente tivesse libertado seus escravos, numa lista de 202 cativos, em 12 de maio de 1881, como se explica ele arrolar 36 escravos no inventário de sua esposa em data posterior? Outro fato inexplicável. Se o Barão tivesse promovido a tão famigerada libertação antecipada de escravos, como se explica o fato dele ter redigido o testamento de seu tio, Coronel José Leite de Araújo, em 23 de fevereiro de 1885, indicando ele próprio como legatário dos escravos do tio?

A LIBERTAÇÃO EM GUAXUPÉ – A libertação definitiva da escravatura no Brasil e, consequentemente, em Guaxupé, só ocorreu de fato em 13 de maio de 1888, com a publicação da Lei Áurea. Em Guaxupé, anteriormente a 13 de maio de 1888, alguns escravos foram libertados, porém foram casos isolados e em número reduzido, o que não pode ser confundido com libertação em massa, sem condição alguma e muito menos de 202 escravos.
Alguns escravos foram libertados em testamentos de antigos moradores do que hoje constitui o município de Guaxupé, outros por carta de alforria e alguns foram libertados tendo em vista a indenização que seus proprietários poderiam receber do governo do Império. De qualquer forma, o escravo só ficava livre depois de lhe ser passada a carta de alforria , seja pelo proprietário ou pelo seu testamenteiro. A carta de alforria era uma escritura pública, portanto tinha que ser registrada em cartório.
Os livros de notas de número um a cinco do “Cartório do Escrivão de Paz, Tabellião de Notas e Official do Registro Civil da Villa de Dores do Guaxupé”, que atualmente encontram-se arquivados no Cartório do Registro Civil de Guaxupé registram algumas cartas de alforria no período compreendido entre 3 de agosto de 1857 e 15 de julho de 1885.

CONCLUSÃO – Diante do exposto, fica evidente que não houve uma libertação antecipada, em massa, de escravos, em 12 de maio de 1881, conforme prega a tradição oral.

ARQUIVO MARIA LUIZA LEMOS BRASILEIRO / WILSON FERRAZ

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