Muzambinho, 18 de setembro de 2024

“APESAR DE VOCÊ, AMANHÃ HÁ DE SER OUTRO DIA” (Chico Buarque de Holanda)

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                É inacreditável que pessoas da minha geração ainda defendam o retorno do regime militar, o golpe de 64 e o famigerado Ato Institucional número 5.

                   Quem viveu nesta época tem a obrigação de mostrar aos mais jovens que os “anos de chumbo” foram um atentado contra a liberdade – o valor supremo do homem – e os direitos humanos.

                 Quantos amigos e companheiros foram “sumidos” pelo regime militar! Pessoas presas e torturadas, sem nenhuma possibilidade de recurso.

                  O que mais se temia nesta época era o guarda da esquina. Ai de quem  tivesse algum tipo de animosidade contra ele! A “borracha”iria comer solta. Não havia a quem reclamar. Urgia fugir deles. Não se podia aglomerar. Não se podia falar de política. As conversas eram cochichadas com o temor de que algum defensor do regime pudesse ouvir e repassar para as autoridades policiais o teor da conversa, muitas vezes ingênuas e puras.

                    No final da década de 1960, quando morava em São Paulo, um dos meus primos, aposentado por esquizofrenia, costumava frequentar um bar na esquina de sua casa para “sapiar” o jogo de sinuca. Eis que chegou a viatura da polícia política. Seguindo o procedimento padrão, a guarnição militar determinou que todos os que estavam no estabelecimento  se mantivessem de pé, com a cabeça virada para a parede, pernas abertas para a revista, devendo cada um exibir os seus documentos.

                   Meu primo, que não portava os seus documentos porque morava bem perto dali, foi trancafiado no camburão e preso. A família, dando pelo sumiço, em vão procurou-o em delegacias, hospitais. Até em IMLs.

                   Carlúcio Durante, o primo, apareceu três dias depois, completamente estropiado. Tinha sido torturado num daqueles porões da ditadura. A humilhação e os ferimentos decorrentes da tortura custaram-lhe, algum tempo depois, a vida.

              Já nos anos de 1970, quando eu já retornara a Muzambinho, houve alguém que pichou no muro do colégio das freiras, onde é hoje o Banco do Brasil, o seguinte: “Abaixo a ditadura”. Isto foi o suficiente para que três ou quatro viaturas da polícia política se deslocassem de Belo Horizonte para cá.

Os carros com os policiais dentro circularam durante vários dias, com as sirenes ligadas. A  intenção explícita era a de intimidar a população local. Em seguida, pegaram, como “bodes expiatórios”, três ou quatro jovens, que foram humilhados e torturados.

           Eram tempos muito sinistros.

           Quando vejo hoje, em manifestações de rua, gente jovem apregoando o retorno do AI-5, quedo-me perplexo. Alguém precisa explicar para esta juventude que este ato representou o que houve de mais cruel   dentro do regime de exceção em que vivíamos. O congresso foi fechado. As pessoas eram presas sem justificativa. Jornais eram censurados. Teatro, música, cinema, literatura, tudo tinha que passar pelos censores antes da exibição

            Quantas vezes, ao abrir um jornal, deparava-me com uma receita de bolo, ou com um poema de Camões. Só mais tarde vim a compreender que a publicação decorria da substituição de uma matéria censurada. Os editores, para cobrir aquele espaço, usavam deste expediente, o que não deixava de ser uma demonstração inequívoca e subliminar de protesto.

            A canção do Chico que dá título a este artigo foi um expediente muito usado pelos artistas para ludibriar a censura. Ele, na verdade, não estava falando de um amor desiludido, como queria fazer entender aos censores. Ele estava sim, proclamando o retorno a um novo tempo.

            É nossa obrigação trabalhar incansavelmente contra aqueles que apregoam a volta à escuridão do autoritarismo e do cerceamento das liberdades individuais. E que a liberdade, tão durante conquistada, seja valorizada por todos aqueles que efetivamente querem o bem da pátria.               

(NILSON BORTOLOTI – MUZAMBINHO/MG)

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