Conforme se verifica do processo crime nº 303, autuado em 15 de outubro de 1906 pelo escrivão do Cartório do 1º Ofício da Comarca de Muzambinho, Luiz Paoliello, vislumbra-se que o Capitão João Luiz Machado, subdelegado de polícia em Dores do Guaxupé, se dizia “procurador da Câmara Municipal de Muzambinho”, porém no mencionado processo ficou provado que o mesmo era apenas um “preposto” do procurador.
Desta forma ele acabava extorquindo e apreendendo mercadorias dos mascates sob o pretexto da falta do pagamento do imposto referente à mascateação.
Alegando falta do pagamento do imposto sobre mascateação, em 29 de junho de 1906, o Capitão João Luiz Machado teria apreendido quatro canastras, um baú, e três fardos contendo mercadorias diversas, além de uma caixa de chapéus e um saco contendo calçados de propriedade do sírio-libanês Abrahão Abdalla, porém ele não apresentou nenhuma documentação referente à apreensão e também não relacionou os itens apreendidos.
A EXTORSÃO – Conforme consta do depoimento da testemunha Manoel Gonçalves Ferreira, para liberar as mercadorias apreendidas o Capitão João Machado teria exigido de Abrahão Abdalla uma nota promissória avalizada por José Elias, porém Abrahão não concordou com a extorsão.
Mesmo depois de pago o tributo, Abrahão não conseguia do Capitão a liberação das mercadorias apreendidas.
Em 03 de julho daquele ano o advogado de Abrahão, Dr. Lycurgo Leite, ajuizou uma ação de justificação no Juizado de Paz de Dores do Guaxupé. A ação foi julgada procedente naquele mesmo dia.
Consta dos autos de que as mercadorias teriam sido restituídas ao proprietário, porém não foi especificada a data, e também não foi juntado nenhum comprovante da mesma.
PROCESSO CRIME – Aos 15 de outubro de 1906 o advogado de Abrahão Abdalla protocolou a denúncia crime, acompanhada do processo de justificação, contra o Capitão João Machado na Comarca de Muzambinho, a qual foi distribuída ao Cartório do 1º Ofício.
Em 6 de outubro daquele ano o promotor de justiça daquela Comarca, Dr. Carlos Hernandes Góes, ofereceu a denúncia contra o Capitão João Luiz Machado fundamentando que: “o acusado na condição de procurador da Câmara Municipal de Muzambinho, em 29 de junho de 1906, entendeu por bem apreender, em Dores do Guaxupé, mercadorias de propriedade de Abrahão Abdalla por falta de pagamento de imposto excedendo os limites das funções, ferindo o disposto no artigo 226 do Código Penal e que teria sido praticada violência no exercício da função”.
Na data de 12 de janeiro de 1907 o advogado do Capitão João Machado, Dr. Francisco Pereira de Castro, apresentou a defesa de seu constituinte, fazendo juntar documentos, alegando que nenhum crime teria praticado o Capitão João Machado.
O Dr. Francisco Pereira de Castro ainda alegou que o procurador de Abrahão Abdalla não quis ajuizar uma ação penal privada contra o Capitão em virtude dos riscos que poderiam correr seu constituinte, preferindo que o representante do Ministério Público propusesse uma ação penal pública, evitando possíveis consequências danosas a seu cliente na eventualidade do Capitão vir a ser inocentado. O advogado ainda acrescentou: “grave crime é o do representante do Ministério Público que, agindo sem calma e sem prudência, incomoda e oprime a um cidadão, pois não se trata de um desconhecido, de um indivíduo qualquer…”
Para exigir o pagamento do imposto referente à “mascateação”, o Capitão João Machado se dizia procurador da Câmara Municipal de Muzambinho, versão confirmada por unanimidade das testemunhas arroladas no processo.
Com o intuito de se livrar do crime de abuso de poder e autoridade ele fez juntar às fls. 33 dos autos certidão expedida pelo agente executivo (prefeito), Francisco Paoliello, onde o mesmo afirma: “attesto, em deferimento ao pedido infra que o único procurador da Câmara Municipal de Muzambinho tem sido, desde a minha posse, o senhor Manoel Cabral, que foi por mim nomeado, não me constando que o requerente jamais tenha exercido esse cargo neste município”.
Depois de ouvidas as testemunhas, José Sabino do Nascimento, Mariano de Souza e José Pinto da Silva o promotor de justiça concluiu que o Capitão João Luiz Machado, na condição de procurador da Câmara Municipal de Muzambinho e subdelegado de polícia, teria “coagido” Abrahão Abdalla a entregar as mercadorias em garantia do imposto que se encontrava em mora e de que havia abuso de poder e de autoridade, uma vez que as mercadorias só poderiam ser apreendidas com mandado judicial, após um processo de execução fiscal.
Em 23 de março o Juiz de Direito, Dr. Lydio Alerano Bandeira de Mello, julgou a ação penal improcedente, fundamentando que o Capitão João Machado não teria praticado o crime na condição de funcionário público.
Embora conste da sentença de que o juiz teria determinado que os autos subissem para a Câmara Criminal do Tribunal da Relação, não consta dos mesmos o prosseguimento do feito, exceto a publicação da sentença e a intimação do advogado do réu Dr. Francisco Pereira de Castro.
Arquivo: Maria Luiza Lemos Brasileiro / Wilson Ferraz