Muzambinho, 3 de dezembro de 2024

Destruição ambiental e mortos da tragédia de Brumadinho darão vida a todos os municípios mineiros

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Diz o ditado popular: “depois da tempestade vem a bonança”. Todavia é irônico que a tormenta passe por uma região causando ruína e mortes, enquanto outros lugares mais distantes se beneficiem com a ventura do vendaval passado. É mais ou menos esse desfecho ora concretizado desde o rompimento da barragem de rejeitos de minério de ferro do Córrego do Feijão, em Brumadinho, nas cercanias de Belo Horizonte,em 25 de
Janeiro de 2019, área de mineração da empresa Vale. Considerado o maior desastre ambiental brasileiro, a ruptura da barragem de Brumadinho deixou 272 mortos e mais de 10 até hoje desaparecidos, todos engolidos por um verdadeiro tsunami de lama e rejeitos do minério de ferro calculados em 14 milhões de toneladas. Mais triste foi a condição em que boa parte dos trabalhadores da Vale foram atingidos – em pleno horário de almoço no restaurante da empresa, enquanto outros trabalhavam. Moradores da localidade também foram vitimados, inclusive turistas que ocupavam uma pousada no trajeto da avalanche lamacenta, que foi cair quilômetros à frente no leito do Rio Paraopeba, responsável pelo abastecimento de água em várias cidades e povoados. Uma tragédia indescritível exterminadora da fauna e da flora e poluidora das águas.
Quatro anos antes, outra barragem havia estourado no município de Mariana, distante pouco mais de 100 Km de Brumadinho, causando 19 mortes e o derramamento da lama no Rio Doce. Embora com menos perdas humanas os danos ambientais se espalharam quase mil quilômetros à frente, que é a extensão deste rio. Da região do quadrilátero ferrífero mineiro ele segue em direção a Governador Valadares, entrando mais à frente no Estado do Espírito Santo, passando pela região de Colatina. Deságua no Oceano Atlântico na foz em Regência, além de Linhares. O que podemos ligar entre ambos os desastres é que aqui a mineradora era a Samarco, na realidade uma subsidiária da Vale.
Nunca é demais lembrar que a Vale teve sua origem estatal no governo ditatorial de Getúlio Vargas, em 1942. Envolveu uma negociação de guerra do Brasil com os Estados Unidos da América (U.S.A.) além da Inglaterra, que facilitou que uma empresa britânica, que aqui atuava, a Itabira Iron Company, fosse incorporada na nascente CVRD – Cia. Vale do Rio Doce – dentro de um projeto desenvolvimentista de Getúlio Vargas, que envolveria a CSN – Cia. Siderúrgica Nacional – de Volta Redonda-RJ, criada por decreto um ano antes pelo mesmo Presidente. Tudo satisfazendo a um grande projeto nacionalista, enquanto o Brasil se compunha com os Aliados na II Guerra Mundial. Tais objetivos e o sacrifício dos brasileiros, inclusive com a morte de soldados nossos, em batalhas no solo italiano, foram minha grande motivação quando deputado estadual para combater a privatização dessa estatal pelo governo entreguista de Fernando Henrique Cardoso, submisso aos mandamentos do nefasto Consenso de Washington, este um guia do neoliberalismo na América Latina, sob a batuta do Presidente Ronald Reagan, dos U.S.A., e da Primeira Ministra Margareth Thatcher, do Reino Unido. Não somente isto foi motivação para meus agressivos discursos e envio quase que diários de telegramas de protesto ao Presidente e a alguns de seus ministros. Muito mais do que isso: a CVRD era uma estatal eficiente, competitiva e lucrativa, dona de minas de ferro, manganês, níquel, até o atualíssimo e estratégico nióbio. Possuía a Estrada de Ferro Vitória-Minas e a E.F.Carajás e os portos de Tubarão, em Vitória-ES e outro em S.Luís-MA. Além de maquinários e veículos de todas as espécies, ainda possuía navios que levavam o minério de ferro para o Japão, China e Euroçpa. Tudo foi entregue à sanha do capitalismo pela mixaria de 3,3 bilhões de dólares, conquanto seu valor real estimado era de US$30 bilhões, ou seja 10 vezes mais. Hoje ela pode pagar mais impostos para os cofres públicos, mas deixou de ser a empresa ética e confiável que era para cair nas mãos daqueles que só visam lucros exorbitantes, em prejuízo do meio ambiente e da segurança das pessoas.
Enfim, a Vale particular e capitalista, uma das maiores mineradoras do nosso planeta – já era quando estatal – vem pagando caro suas omissões e negligências. Indenizações pessoais e multas tem sido pesadas. Mas, sua pior derrota foi na Justiça, em Ação Civil que lhe moveu o Ministério Público de Minas Gerais. Ela cedeu antes, por acordo. Fará um desembolso bilionário – R$37,7 bilhões, dos quais R$11 bilhões diretamente ao Governo de Minas, sendo que os restantes R$26,7 bilhões serão pagamentos de indenizações e recuperações ambientais que ela, VALE, irá aplicar sob vigilância da Promotoria mineira.
Dinheiro maldito nas suas origens, desde a Guerra Mundial, até às catástrofes por ela causadas em Brumadinho (mas serve também por Mariana). Mas, é muita grana. Assanhou o Poder Político de Minas Gerais. De início, reservaram HUM BILHÃO E MEIO para os 853 municípios existentes no nosso Estado. Daí o Governador Zema pretendia que fossem feitos convênios do Estado com os Municípios. Seria uma forma de “beija-mão”, onde os prefeitos iriam buscar os recursos como se fossem favores do Governador. Daí cogitaram de passar o montante para a Assembleia Legislativa, onde cada deputado estadual beneficiaria alguns dos seus redutos. Porém sabemos que muitos municípios não são currais eleitorais de um único deputado estadual. Mesmo assim, alguns parlamentares espertinhos, porque não dizer safados, anunciaram antes da hora que estavam destinando essas verbas para certas cidades. Cheguei até ver no “Facebook” deputados anunciando esse dinheiro para aqui e acolá, até para Muzambinho. Certo é que homologado o Acordo da Vale pelo Tribunal de Justiça-MG, em 25/2/2021, o Governador Zema tratou logo de enviar um Projeto de Lei à Assembleia, o PL de nº2.508/21, em 2 de março passado. Na Casa Legislativa os interesses se trombavam, muitos querendo a todo custo se mostrarem os pais da partilha.
Foi então que meu velho colega de parlamento e de profissão, Deputado Hely Tarquínio (do PV), de Patos de Minas, encabeçou uma PEC – Projeto de Emenda à Constituição (mineira) – de nº 68/2021, contando com o necessário apoio de 32 outros deputados, dando solução ao impasse. Não mais o Governador seria o pai da generosidade de um dinheiro meio que amaldiçoado por causa de onde se originou. A PEC foi aprovada no dia 12 de Julho último e promulgada no dia seguinte como Emenda Constitucional nº 109, no Salão Nobre da Assembleia, pelo seu Presidente, Deputado Agostinho Patrús Filho (do PV). Foi mantinha a divisão do total de R$1,5 bilhão para os 853 municípios, numa escala correspondente ao número de habitantes de cada município. O mais importante, o dinheiro será creditado diretamente pelo Governo em contas bancárias apresentadas pelas Prefeituras, sem qualquer convênio e sem qualquer imposição aos prefeitos.
No seu discurso, Agostinho Patrus lembrou que o Parlamento estadual e as Prefeituras dos 853 municípios estavam ficando de fora do Acordo, sendo essa injustiça reparada pela PEC. “Ao deixar isso de fora o acordo estava incompleto”, emendou ele, concluindo que “apesar da vitória, o momento ainda é triste, tanto pelas vidas perdidas em Brumadinho quanto pela pandemia da CoViD-19”. Patrús ainda fez esta crítica: “Na verdade, são recursos que os municípios perderam, direta ou indiretamente, pela ganância de uma Empresa que pensou mais nos lucros do que nas pessoas e no meio ambiente”. Para o Presidente da Associação Mineira dos Municípios (AMM), Julvan Lacerda, prefeito de Moema, centro-oeste de Minas: “Essa partilha é questão de justiça.Parte da receita gerada pela atividade que deu causa à indenização ia para os municípios. Então eles também foram impactados”.
Certo é que os atuais prefeitos vão receber um “extra’ que nunca outros receberam. À custa da punição de uma poderosa empresa que causou devastação ambiental e mortes. A título de informação vamos dar alguns exemplos de quanto receberão. Belo Horizonte receberá R$50 milhões; cidades entre 500 mil e 700.000 habitantes (Uberlândia, Contagem e Juiz de Fora): R$30 milhões; entre 219.000 e 439.000 habitantes (Betim,Santa Luzia, Ipatinga, Uberaba, Governador Valadares, Montes Claros, Sete Lagoas e Divinópolis) : R$15 milhões; entre 102.000 e 180 mil habitantes (Ibirité, Poços de Caldas, Patos de Minas, Pouso Alegre, Teófilo Otoni, Barbacena, Sabará, Varginha, Vespasiano, Conselheiro Lafaiete, Itabira, Ubá, Passos, Cel.Fabriciano, Muriaé, Araxá, Nova Serrana, Ituiutaba e Lavras): R$7 milhões; entre 50.605 e 96.869 habs (Itajubá, Nova Lima […] Curvelo, Alfenas, J.Monlevade, Três Corações […] Campo Belo …Guaxupé): R$5 milhões; […] entre 15.014 e 24.951 (Espera Feliz, Buritis […] Monte Sião, Manhumirim […] Camanducaia, Caxambu, Monte Santo de Minas,Paraguaçu, Perdões, Carmo do Rio Claro, […] Lambari, Vazante, Muzambinho […] Alpinópolis […] Guaranésia […] Nova Resende [..] Areado […] R$1,5 milhão; entre 5.004 e 14.990 (Itinga, Botelhos, […] Caldas, Alterosa, Guapé […] Maria da Fé, Cabo Verde […] Monte Belo […] Cambuquira, Mar de Espanha, Cristais, […] Arceburgo, […] Juruaia […] Conceição da Aparecida, […] Itamogi, […] Pimenta, Capitólio, Pratápolis […] Tombos, Tiradentes, Maravilhas […] Jacuí, Serrania […] S. Tomé das Letras, S.Tomás de Aquino, […] Divisa Nova, Bandeira do Sul […] = R$ HUM milhão; entre 781 habs = Serra da Saudade e 4.995 habs = Moeda […] São Pedro da União, […] Fortaleza de Minas […] Bom Jesus da Penha, […] Fama[…] Doresópolis = R$750 mil.
Está aí o dinheiro do infortúnio de uns que servirá para a festança de outros. Até o Governador do Estado acabou descolando quase DEZ bilhões para executar obras num Estado quebrado, pensando numa reeleição. Os prefeitos felizardos deveriam ao menos se dignarem a mandar rezar uma missa, se forem católicos, para os mortos de Brumadinho e Mariana ou um culto evangélico, neste caso, pelo conforto das famílias dos que morreram. Juízo e bom proveito.

Marco Regis é médico, foi prefeito de Muzambinho (1989/92; 2005/08) e deputado estadual-MG
(1995/98; 1999/2003) *[email protected]*

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