Lá na infância, mais de meio século atrás, eu jurava que sim, que Deus estava vendo tudo o que fazíamos por aqui. As boas ações cotidianas e as maldades mais terríveis. Nas aulas do antigo catecismo, agora chamado de catequese, os pregadores nos garantiam que Deus não perdia nem um só movimento nosso aqui nessa insignificante vidinha terrena.
Então, quando contávamos alguma mentirinha, por menor que fosse, a mãe (legítima representante de Deus aqui na Terra) logo invocava a presença divina, desmontando nossas argumentações fraudulentas:
─ Você não está mentindo, não, né menino? Porque se estiver, o castigo será terrível! Sabe por quê? Porque Deus está vendo tudo, tudo! Além disso, mentir é pecado mortal e não tem perdão!
Eu não tinha ideia do que seria “pecado mortal”, mas morria de medo dele. Se ele era mortal e sem perdão, meu medo era plenamente justificado. Então, só para ilustrar, vou contar uma historinha. Um forte exemplo de uma frase que minha mãe dizia sempre, sobre mim: “Tem medo, mas não tem vergonha”.
Uma vez, dentre tantas outras, quando voltava furtivamente de uma aventura da infância, fui interpelado pela minha mãe. Já desconfiada de alguma coisa escondida, ela perguntou:
─ Onde você estava? Já te procurei por toda a vizinhança e não te encontrei…
Eu não podia contar a verdade. Se contasse, ia tomar uma boa sova. É que, juntamente com mais dois companheiros de travessura, tinha ido brincar na cachoeira localizada a uns três quilômetros da cidade, atividade proibida pelos meus pais. Proibição mais do que justificada, porque algumas mortes por afogamento já tinham ocorrido ali.
Inventei uma desculpa na hora:
─ Tava na rua de baixo, jogando bola com os meninos de lá…
Já sabendo da mentira, minha mãe falou:
─ Você tem coragem de dizer isso, seu safado, mesmo com essa pele ressecada e barrenta da água do ribeirão e esse calção que está até duro de tanta lama? Não esqueça que Deus tá vendo tudo lá de cima! Tudo, tudo!
Naquele momento, um arrepio me percorreu todo o corpo. Disfarçadamente eu olhei pra cima e imediatamente imaginei o zoião arregalado de Deus, imenso e cristalino, me observando lá por cima das nuvens. Bisbilhotando descaradamente a minha vida mentirosa e anotando num caderninho:
─ Jo-sé Ná-ri-o. Mentiroso de carteirinha, acaba de contar mais uma, cometendo um grave pecado mortal. Deixa ver… É a quinta vez hoje…
Na versão de minha mãe (que conversava diretamente com Ele, a exemplo de – quase ─ todas as mães), além de bisbilhoteiro e enxerido, o Deus daquela época era impiedoso e cruel. E um mentiroso como eu, que continuamente atentava contra a verdade e a integridade, ia direto para o inferno, juntar-se a Satanás, um mentiroso juramentado.
E é por tudo isso que ando meio ressabiado com os acontecimentos da atualidade. Coisas estranhas andam acontecendo desde que as redes sociais se transformaram no principal meio de informação para pessoas mal informadas e maldosas. Algumas questões me vêm à mente quando penso nisso.
Por exemplo, pelo que se vê, mentir deixou de ser pecado mortal, como o era lá nos meus tempos de criança criativa e mentirosa.
Essas dúvidas me vieram à mente porque estou estarrecido com a quantidade de mentiras publicadas nas redes sociais por pessoas que se dizem religiosas. RELIGIOSAS, MUITO RELIGIOSAS, segundo elas. Mentiras são repetidas aos montes, como se fossem a mais pura verdade.
Da mesma forma que a disseminação indiscriminada de mentiras, a intolerância religiosa cresceu de forma exponencial, evidenciando a ignorância dos supostos religiosos que a praticam. E, pra piorar, os seguidores desses supostos religiosos nas redes sociais repetem despudoradamente as mais insidiosas falsidades. Ou seja, multiplicam as mentiras muitas e muitas vezes.
E essas mentiras sustentam as conversas nas filas dos bancos, nas lotéricas, nas escolas, nos hospitais, nas ruas e até, e principalmente, nas igrejas. Isto porque nunca se viu tanta interação de algumas igrejas com a política partidária, outra conhecida fonte de ilações fantasiosas.
Pode ser que esses religiosos mentirosos das redes sociais saibam coisas que eu não sei. Será que eles descobriram que Deus está surdo-mudo ou meio gagá, sendo facilmente enganado pelo mais ignorante dos frequentadores das redes sociais?
Ou, por outro lado, será que Deus simplesmente se cansou de tanta iniquidade cometida por nós e resolveu nos deixar por conta do tinhoso? Afinal, misturar a religião com a política, reino da mentira e da manipulação ─ com raríssimas e saudáveis exceções ─ parece não ser o melhor caminho para chegar ao céu.
Vai saber… A verdade é que nunca se mentiu tanto, principalmente nas redes sociais. Acredito que, se esses mentirosos que se dizem religiosos fervorosos se juntassem sob uma mesma denominação, poderiam compor a maior igreja do mundo. Fico até imaginando um nome para essa igreja.
Poderia ser, por exemplo, Igreja Messiânica Geracional da Sapiência Mentirogênica.
Ou, verdadeira e simplesmente, Igreja Virtual da Santa Mentira Juramentada.
Fica a sugestão…
(José Nário F. Silva – Zé Nário / Muzambinho/MG)