ENFIM, CHICO BUARQUE RECEBE O CAMÕES

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Nos meios culturais e políticos do Brasil e de Portugal, esta semana tem sido de efervescência pela entrega do Prêmio Camões de Literatura. Vi com estarrecimento, num canal digital, seu apresentador querendo compará-lo com ao Nobel de Literatura, que é universal. Depois, recuando, confunde-se com Cannes, um festival de cinema. Nada disso, de fato esse é o maior galardão, mas, da Literatura dos países que falam o idioma português, cuja nomenclatura adequada é países lusófonos. Não há dúvidas que a premiação foi criada em 1988, pois os decretos governamentais são daquele ano. Todavia sua concepção vem do Protocolo Adicional ao Acordo Cultural entre os governos da República Portuguesa e o da República Federativa do Brasil, de 7 de Setembro de 1966, portanto, do início dos governos militares. Ademais, no decorrer dele ainda houve um Protocolo Modificativo em 1999, alterações que demonstram a seriedade e o interesse das partes pelo mesmo. Cada país da CPLP – Comunidade dos Países de Língua Portuguesa – pode indicar candidatos ao prêmio no ano anterior ao da escolha, havendo um Júri que decide. Ele é formado por seis jurados, sendo 2 de Portugal, 2 do Brasil e 2 dos demais países da CPLP que são: Angola, Cabo Verde, Guiné Bissau, Moçambique, São Tomé e Príncipe e Timor-Leste. Os mandatos são de dois anos.

 O Prêmio Camões tem como objetivo “consagrar um autor de língua portuguesa que, pelo conjunto de sua obra, tenha contribuído para o enriquecimento do patrimônio literário e cultural do idioma”. No Brasil, sua organização cabe à Fundação Biblioteca Nacional, enquanto na nossa Pátria Mãe cabe à DGLAB – Direção Geral do Livro, Arquivos e Biblioteca – ambas vinculadas aos respectivos ministérios da Cultura. Necessariamente, a escolha não precisa ser a de um escritor ou poeta, podendo ser a de um crítico literário ou de um dramaturgo. O objetivo fala de “enriquecimento do patrimônio literário e cultural do idioma”. Sua primeira premiação ocorreu em 1989, sendo Chico Buarque o 34º. Mesmo que imaginem que Chico seja apenas um compositor e cantor, ele escreveu livros como: Estorvo, Benjamim, Budapeste, Leite Derramado e O Irmão Alemão, além da montagem de peças teatrais como: Calabar, Roda Viva, Gota d’Água, A Ópera do Malandro e uma versão infantil de Os Saltimbancos.

 É oportuna a lembrança que a própria Academia Sueca inovou em 2016, agraciando com o Nobel da Literatura o cantor, compositor, escritor e pintor, Bob Dylan, “por ter criado novas expressões poéticas dentro da grande tradição da canção americana”. O Prêmio Camões dá uma recompensa monetária atual de 100 mil euros, cuja metade é paga pelo governo português e a outra metade pela Biblioteca Nacional.

            Chico Buarque de Holanda, escolhido como o vitorioso em 2019, foi uma das primeiras vítimas do retrocesso cultural do Brasil, no governo então empossado de Jair Bolsonaro. Na sequência do processo de escolha da sua premiação, o Presidente da República se recusou a assinar documentos relativos à diplomação de Chico Buarque. Perguntado à época por um jornalista, se viria a assinar o diploma de Chico Buarque, respondeu o então Presidente Bolsonaro: “Tenho até 2026 para assinar”, numa presunçosa confiança da sua reeleição, que fracassou. A retaliação aos artistas simpáticos à Esquerda ultrapassou a boataria relativa à Lei Rouanet.

Em artigo que produzi para este semanário, em 11 de outubro de 2019, usei de expressões como “bitolamento de governo”, ou “paranoico terror ideológico” como rumos enviesados que o novo governo adotava. Esse meu artigo foi publicado meses antes da Pandemia do Coronavirus, em 11 de outubro de 2019, nas edições impressas d’A Folha Regional de Muzambinho e do Jornal da Região de Guaxupé. Sob o título de “A Dimensão de Camões que o Capitão Desconhece” o artigo aborda o veto do Presidente Bolsonaro e outros aspectos do Prêmio Camões, inclusive uma abordagem a respeito de Luís Vaz de Camões (1524-1580), autor de Os Lusíadas, e considerado como a maior expressão dentre os escritores lusófonos. Contém a história do prêmio e a lista dos seus vencedores até aquela ocasião, com Chico Buarque. Certamente que, naquela momento, não prevíamos a radicalização de Bolsonaro com artistas famosos em função de divergências políticas e ideológicas, nem o nosso desmonte cultural, muito menos o surgimento da mortífera Pandemia. Todos esses fatores barraram a entrega do Prêmio Camões nos anos seguintes de 2020 a 2022, mas a escolha anual dos vencedores não foi interrompida.  Devo lembrar que os premiados seguintes foram: o escritor português Vítor Manuel de Aguiar e Silva; a moçambicana e primeira mulher negra agraciada, Paulina Chiziane e, ano passado, o já premiadíssimo brasileiro Silviano Santiago. Este último é mineiro de Formiga, 86 anos de idade, romancista, poeta, crítico literário e ensaísta. Graduou-se em Letras Neolatinas pela UFMG/1959. Fez doutorado em Literatura Francesa na Universidade Sorbonne-Paris/1968.  Lecionou Literatura Brasileira e Francesa em Albuquerque/U.S.A. e na Universidade do Estado de Nova York, em Bufalo/U.S.A. Voltou ao Brasil para se afastar da pressão para que adotasse a cidadania norte-americana. Aqui, foi professor de literatura na PUC/RJ e na UF-Fluminense.

  A retomada da premiação de Camões destravou essa honraria literária. A romancista de Moçambique, Paulina Chiziane, deverá receber seu prêmio no próximo 5 de maio, em Lisboa, dependendo os demais de um agendamento de solenidade.      

 

Marco Regis é médico, foi prefeito de Muzambinho (1989/92; 2005/08) e deputado estadual-MG
(1995/98; 1999/2003) *marco.regis@hotmail.com*           

 

 

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