Audiência na Assembleia debateu medidas para dar mais eficiência à fundação, nos moldes do Butatan e da Fiocruz.
Garantir que a Fundaçao Ezequiel Dias (Funed) possa desempenhar agora seu trabalho nas melhores condições possíveis é fundamental para uma resposta rápida não para a atual pandemia que assombra o planeta, mas para a próxima que talvez virá um dia.
Esse foi o consenso entre os participantes da audiência pública da Comissão de Saúde da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG), realizada na tarde da quinta-feira (26/8/21). A divergência, neste caso, foram os meios para se alcançar esse objetivo.
De um lado, alguns participantes defenderam a concessão de total autonomia administrativa e financeira à fundação, nos mesmos moldes que seus similares mais famosos já têm, o Instituto Butantan, em São Paulo, e a Fundação Osvaldo Cruz (Fiocruz), no Rio de Janeiro.
Do outro, foi feita a defesa da aprovação, pela ALMG, do Projeto de Lei (PL) 2.509/21, do governador Romeu Zema (Novo), que promove profundas mudanças na estrutura da fundação e cria o Centro Mineiro de Controle de Doenças, Ensino, Pesquisa e Vigilância em Saúde Ezequiel Dias (CMC), ainda subordinado ao Executivo.
A audiência foi pedida pelo deputado Celinho Sintrocel (PcdoB), que abriu o debate lembrando que a Funed já abriga um parque tecnológico bem equipado e excelência em recursos humanos, mas carece ainda da independência para contribuir mais em momentos difíceis como a atual pandemia de coronavírus. Nesse sentido, ele criticou o PL 2.509/21, que “não é o que a Funed realmente precisa” para garantir a independência e estabilidade necessárias para que possa planejar seu futuro.
“Enquanto São Paulo e Rio investem e promovem o Butantan e a Fiocruz (que, apesar de contar com recursos estaduais, está vinculada ao Ministério da Saúde), o Governo de Minas quer desmontar a Funed”, defendeu o parlamentar.
Funed deve concluir em breve estudo pré-clínico de soro contra a Covid
Celinho Sintrocel lembrou o desenvolvimento de uma vacina contra a Covid-19 pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). A universidade não tem capacidade produtiva, o que na visão do deputado poderia ser suprida pela Funed se ela tivesse mais autonomia de gestão.
O deputado fez ainda outros questionamentos sobre a situação atual da Funed, como a paralisação da produção de soros, o que atrasa inclusive um soro anticovid desenvolvido pelos técnicos da fundação, e a demora no início do funcionamento da Unidade 5, para produção de vacinas.
Polêmica – O deputado André Quintão (PT) comandou a reunião e, na mesma linha, também criticou o PL 2.509/21 em sua forma original. “Precisamos ouvir mais argumentos, mas essa não é uma questão ideológica”, garantiu. Carlos Pimenta (PDT) também defendeu mais autonomia para a entidade para que possa gerir os recursos que ela mesma gera.
Por outro lado, a deputada Celise Laviola (MDB) lembrou que um dos obstáculos à aprovação do projeto, a incorporação à nova estrutura da Escola de Saúde Pública de Minas Gerais (ESP-MG), já foi retirado durante a tramitação. Mas, segundo ela, a incorporação prevista do Hospital Eduardo de Menezes, especializado em infectologia, é fundamental.
Uma história centenária em defesa da vida
Fundada em 1907, a Funed é referência na pesquisa, desenvolvimento e produção de fármacos no Estado, reconhecida dentro e fora de Minas Gerais. Vinculada à Secretaria de Estado de Saúde (SES), compõe o chamado Sistema de Saúde Pública do Estado juntamente com a Fundação Hospitalar do Estado de Minas Gerais (Fhemig), a Fundação Hemominas e a ESP.
Apesar de deter a capacidade de desenvolver e produzir vacinas, acabou tendo sua atuação questionada na comparação com seus similares de outros estados durante a emergência sanitária provocada pela pandemia, já que não produz vacinas contra a Covid-19.
Uma das justificativas para isso seria justamente a histórica falta de autonomia, pois já seria autossustentável. Porém, os recursos oriundos de suas pesquisas e de sua produção são dirigidos ao caixa único do Executivo e não retornaram para a fundação ao longo das últimas décadas.
Mas, apesar dos entraves, a Funed acabou se tornando fundamental em outra frente de batalha, pois teve sua capacidade de realizar exames ampliada ao longo da pandemia, com universidades federais sendo credenciadas para atuar em rede no interior do Estado para aumentar a testagem.
Direção da Funed diz que projeto acaba com amarras jurídicas
O PL 2.509/21 dividiu opiniões também entre os convidados da audiência. Sua aprovação foi defendida pelo presidente e diretor industrial da Funed, respectivamente, Dario Brock Ramalho e Bruno Gonçalves Pereira.
Segundo o primeiro, a proposição traz dispositivos que, por meio da criação do CNC, vão desfazer as amarras jurídicas impostas à Funed que, por outro lado, são interpretadas com “muita liberalidade” pelos gestores do Butatan e da Fiocruz. “Esta geração que vive a pandemia de Covid-19 tem a a obrigação de aprender com ela e legar às próximas gerações uma estrutura melhor”, afirmou o presidente da Funed.
Ele defendeu, especificamente, a inclusão do Hospital Eduardo de Menezes na estrutura da nova Funed, a exemplo do Hospital Vital Brasil, do Butatan, e do Instituto Nacional de Infectologia, da Fiocruz. Isso garantiria a infraestrutura necessária, por exemplo, para os futuros testes de vacinas.
“São estudos que custam centenas de milhares de reais, custo este já feito pelo Sistema Único de Saúde (SUS). Precisamos do Eduardo de Menezes para sair da bancada e fazer os ensaios clínicos, condição que a Funed hoje não dispõe para testar a vacina da UFMG”, avaliou Dario Ramalho.
Soros – O assessor da Diretoria Industrial da Funed, Maurício Abreu Santos, ex-presidente e ex-diretor da fundação, informou que, após quatro anos, as melhorias na fábrica foram concluídas e a produção dos soros antiofídicos e antitetânicos será retomada com três lotes até o final do ano, producão destinado ao Ministério da Saúde. Da mesma forma, segundo ele, no mesmo prazo será produzido um lote piloto do novo soro anticovid para ensaios clínicos a serem conduzidos por meio de parcerias.
Já a Unidade 5, para produção de vacinas, cuja implementação já se estende por dez anos, cinco deles de completa estagnação por questões legais, segue com o processo de transferência de tecnologia para vacinas, mas ainda não tem previsão de operar. A Funed é o único laboratório público fornecedor da vacina contra meningite C para o Ministério da Saúde.
Em meio a rodízio de presidentes, entidade já seria autossuficiente
Presidente da fundação de janeiro de 2019 a outubro 2020, Maurício Santos confirmou que a Funed é, teoricamente, autossuficiente. Ele informou que, em 2019, a Funed gerou R$ 596 milhões em receitas, a maior das duas últimas décadas. “Quando saí da presidência, a perspectiva era fechar 2020 em R$ 800 milhões. E a Funed não viu esses recursos. Eles foram para o caixa único do governo e tivemos que ficar correndo atrás”, lembrou.
O pesquisador Luiz Guilherme Dias Heneine lembrou ainda que a Funed teve 11 presidentes em 14 anos. “Isso é impensável em qualquer empresa, atrapalha o andamento dos trabalhos”, disse.
“Fazer vacina em laboratório a gente consegue. Mas não conseguimos testar e produzir em larga escala, é preciso pensar em montar uma estrutura para estar pronta daqui a cinco, dez anos, ter prioridades, autonomia para investir e formar recursos humanos para isso”, ponderou o pesquisador.
Medicamentos – Por outro lado, o chefe de Serviço da Unidade de Produção 3, Thiago Abilio Lopes Rocha, destacou que a produção farmacêutica da Funed vai de vento em popa. Ela é o único laboratório público no Brasil que produz Talidomida, medicamento usado no tratamento da hanseníase, lupus, aids e câncer. Foram 30 milhões de comprimidos entregues ao governo federal de 2014 a 2021.
E, desde o início de 2020, a Funed produz ainda o Entecavir, genérico do Baraclude, essencial no tratamento da Hepatite B, cuja caixa custa cerca de R$ 2 mil e é distribuído gratuitamente pelo SUS.
(ASCOM)