Hipocrisia e dedodurismo

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“… pelo menos 15 crianças eram filhas de mães solteiras e ricas.”

(Revelação de Madre Maurina)

 

Frade Manoel, dominicano, pouco antes da partida de Maurina, não escondendo imensa ternura e orgulho em relação à irmã, comentou o sofrimento inaudito que seu martírio impôs à família. Contou, ainda, que numa das sessões de tortura a que foi a freira submetida, ela clamou por Deus, dizendo aos torturadores que Ele estava ali presente. Deu pra perceber que alguns deles sentiram-se, momentaneamente, abalados com aquela invocação, dando sinais de medo.

 

Apesar dos suplícios porque passou, Maurina perdoou-os a todos. “Sua fé foi sempre muito grande”, é o sacerdote ainda que afirma, acrescentando que duas moças, torturadas juntamente com Maurina, vieram a se converter ao catolicismo inspiradas nos exemplos de fervor transmitidos pela religiosa no período de reclusão.

 

Reservei para os leitores, no fecho deste relato acerca do martírio imposto a Madre Maurina Borges da Silveira por bestiais agentes da lei no período da ditadura, uma revelação intrigante. Tem-se aí configurado um retrato impecável da hipocrisia e farisaísmo imperantes em certos ambientes mundanos. Ambientes esses sempre propícios, em momentos de terror político, às práticas do dedodurismo encapuzado e do denuncismo irresponsável. A própria freira contou a história ao jornalista Luiz Eblak, num papo de várias horas.

 

Tomei conhecimento da entrevista consultando a “Wikipedia”, logo após ser informado da notícia do falecimento da religiosa. Falecimento cercado de injustificável silêncio midiático, como já anotei, ocorrido em 5 de março 2011.

Pergunta do repórter a Maurina: – “De onde acha que vieram os boatos sobre a senhora, como o episódio de seu envolvimento com guerrilheiros?” A resposta surpreende, deixando subtendidos os malefícios irreparáveis à dignidade humana que ocorrem em momentos de desmandos autoritários.

“Tem uma coisa – registra a religiosa – que eu nunca disse a ninguém. É sobre os ricos de Ribeirão Preto. No “Lar Santana”, que eu dirigia, tinha muita criança filha de mãe solteira e rica, o que era escândalo social para a época (1969). Então, as crianças ficavam lá, mas o lugar era para os pobres. Eram cerca de cem crianças e pelo menos 15 eram filhas de mães solteiras e ricas. estavam tomando o lugar dos pobres. As famílias davam cheques para nós e tudo o mais, mas o correto era que as crianças vivessem em suas casas. O que eu fiz? Devolvi as 15 crianças. Fui à casa de cada uma delas e as devolvi. E eram mansões, casas enormes. Eu disse para as famílias: “O Orfanato é lugar de criança necessitada que precisa de um recanto para viver, que não tem pai nem mãe.” Acho que isso acabou influenciando de algum jeito o que me ocorreu depois. Não sei quem eram as famílias, mas isso deve ter tido ligação com a minha prisão.”

 

A outra pergunta sobre se a freira sabia das atividades consideradas subversivas, que os estudantes desenvolviam na sala em que se reuniam no Orfanato, Maurina responde: – “Não sabia de nada. Só sabia do “Movimento de Estudantes Jovens”, mas nada mais. Nem desconfiava. Um dia, o pessoal do MEJ me pediu para fazer uma palavra sobre o amor. Nem dá pra imaginar que gente de um grupo guerrilheiro pudesse interessar por palestra de uma freira sobre amor.”

 

A “Editora Vozes” lançou, há alguns anos, um livro da jornalista Matilde Lemos, intitulado “Sombras da Repressão – O Outono de Maurina Borges”. A história é baseada em entrevistas. Outro autor, Jacob Gorender, também fala do caso Maurina em seu livro “Combate nas Trevas”.

 

Quem sabe se, mais adiante, alguém não se animará a produzir documentário para cinema ou televisão a respeito da tragédia de Maurina. Até mesmo como uma forma de expressar a repulsa da esmagadora maioria dos cidadãos que acreditam e confiam nos valores da democracia e no respeito aos direitos fundamentais da pessoa humana e que abominam toda forma de totalitarismo, sustentada pelo arbítrio, a esses valores e direitos.

 

Cesar Vanucci Jornalista (cantonius1@yahoo.com.br)

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