Muzambinho, 19 de janeiro de 2025

Lago de Furnas, o ‘Mar de Minas’, dá lugar a pasto e lama com crise hídrica

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Em alguns pontos, água recuou até oito quilômetros numa imensidão de terra seca

ALFENAS E CARMO DO RIO CLARO – Onde antes havia peixes, pescadores, motos aquáticas, lanchas e água em abundância, hoje só há cavalos e vacas. A crise hídrica enfrentada nos reservatórios do país fez com que o lago de Furnas, considerado o “Mar de Minas”, se transformasse literalmente em pasto em alguns pontos.

Devido à escassez hídrica, a água recuou até oito quilômetros em algumas cidades banhadas pelo lago, o que fez com que píeres de pousadas e hotéis ficassem sem utilidade, num cenário que parece estar longe de terminar.

O volume útil de Furnas, que entidades e o setor turístico apontam que deveria ficar acima de 55% para não prejudicar as atividades econômicas, estava em 29,77% na terça-feira (29).

O nível atual da água é de 757,4 m acima do nível do mar, 4,6 m abaixo do mínimo desejado, de acordo com a Alago (Associação dos Municípios do Lago de Furnas) e o comitê da bacia hidrográfica do lago.

“A cada dia está pior a situação e, com a crise energética, tende a piorar ainda mais. São quase cinco metros abaixo do nível mínimo, o que é muito. A cota de 762 m é o aceitável para atender a maioria das atividades econômicas, além da produção de energia”, afirmou Fausto Costa, secretário-executivo da Alago e vice-presidente do comitê da bacia.

Segundo ele, a irrigação, tanto de grandes fazendas quanto de agricultores familiares, é um dos setores prejudicados, além de piscicultura, clubes náuticos, hotelaria e o setor de bares e restaurantes.

Estimativas de associações ligadas ao turismo e ao comércio apontam que o total de empresas atingidas com a seca de Furnas chega a 5.000, com 20 mil empregos a menos no setor, que já sofre prejuízo desde 2020 com a pandemia da Covid-19.

O problema na economia das cidades ocorre porque o lago vai do sul ao oeste de Minas Gerais, com localidades que ficam a mais de 100 quilômetros de distância da barragem. Isso faz com que ele atinja áreas planas e também montanhosas -daí o apelido de “Mar de Minas”.

Nas áreas planas, em cidades como Varginha, Fama, Alfenas, Areado, Carmo do Rio Claro, Cristais, Formiga e Campo do Meio, há prejuízos mais significativos.
Enquanto isso, a região mais próxima à barragem, que contempla locais como Capitólio –que se tornou nos últimos anos a principal cidade turística da região–, São José da Barra e São João Batista do Glória, entre outras cidades, não sofre tanto.
“Nelas, a água também baixa, mas não distancia, porque é uma área montanhosa. O lago vai baixando, mas não vai ficando tão longe de um empreendimento. Nos outros, como são planos, a profundidade não é tão grande”, disse Costa.
Em Fama, barcos estão parados nos barrancos e um trampolim com cerca de 5 m de altura, outrora utilizado para recreação, hoje só serve para mostrar o tanto que a água se afastou. O problema já existia em anos anteriores, mas se agravou neste ano, contam moradores.
“A gente tinha de disputar lugar no trampolim para mergulhar. Hoje é só tristeza”, disse o pedreiro José Francisco dos Santos.
No Porto Hotel Fazenda, em Alfenas, o cenário é desolador. Havia água no local até o verão, mas o avanço da crise hídrica fez com que ela fosse recuando a cada dia e, hoje, está oito quilômetros distante dos píeres.
“A água chegou, mas ficou um, dois meses, e foi embora. É uma coisa terrível”, afirmou o proprietário do hotel, Miguel Barbosa, que chegou a ter 76 funcionários em dois turnos quando havia água no local.Atualmente são 12, por priorizar a criação de animais, mas o número chegou a ser de apenas seis.
Apesar da pandemia da Covid-19, o empresário credita o cenário à seca do lago. “A pandemia para hotel fazenda está excelente, porque as pessoas procuram esse descanso, distância, local aberto. É o problema da água mesmo que atrapalha.”
O hotel fecha as contas no vermelho há um ano.
O governador de Minas, Romeu Zema (Novo), esteve no hotel há um mês e disse em vídeo que a situação é extremamente crítica em Furnas.
“Essa área já foi considerada, por décadas, o ‘Mar de Minas’. Hoje dá para ver claramente que se transformou num mar de lamas”, disse.
“Furnas, que deveria gerar milhares de empregos em atividades turísticas e em piscicultura, hoje não gera praticamente mais nada, um desastre econômico e também um desastre ambiental.”
A previsão de falta de chuvas pode prejudicar ainda mais a situação. Em maior ou menor grau, as cidades enfrentam fechamento de pousadas, restaurantes ainda mais vazios e empresas náuticas com as atividades paradas.
“Todas as atividades sofrem de alguma forma, mas na piscicultura, por exemplo, muitos já se adaptaram devido a outras secas e acabam sofrendo menos. A gente consegue também captar água para tratamento, mas pousadas, hotéis e esportes náuticos ficam muito prejudicados em todas as cidades”, disse o secretário de Cultura e Turismo e Desenvolvimento Econômico, Agricultura e Piscicultura de Carmo do Rio Claro, Thiago Ferreira Cândido.
As cidades defendem o tombamento do lago de Furnas -o que, se ocorrer, permitiria que a altura mínima do reservatório ficasse em 762 m acima do nível do mar. O governo Jair Bolsonaro (sem partido), porém, ingressou com ação no STF (Supremo Tribunal Federal) questionando a lei de Minas que definiu o reservatório como patrimônio estadual.
“Isso nos daria mais segurança. Para a gente resolve, mas para outras cidades talvez esse patamar não resolva completamente, seria preciso ainda mais”, disse Cândido.
Além de Furnas, Minas Gerais estabeleceu o tombamento do lago de Peixoto. Ambos ficam na bacia hidrográfica do Rio Grande. Bolsonaro alega que a decisão mineira ofende a competência da União para legislar sobre águas e energia.
Furnas teve a barragem concluída em 1963 e foi responsável por desenvolver o turismo e a economia de forma geral nas 34 cidades banhadas pelo lago. Os municípios recebem também royalties de forma proporcional à área alagada pela represa.
Para a associação dos municípios, o lago de Furnas poderia ser aliviado com a retenção de água, gerando mais energia em outras hidrelétricas do sistema, que é interligado.
“É só lembrarmos que 2016 foi um ano bom. Se houvesse planejamento para manter o lago cheio, hoje tinha como atender o uso múltiplo e, ao mesmo tempo, dar segurança energética”, afirmou Costa.
Apesar do cenário crítico, o nível do reservatório já esteve em situações piores, como em 1999, quando ficou com apenas 6,28%. Em fevereiro de 2015, alcançou 10,6% do total.

Por MARCELO TOLEDO (FOLHAPRESS)

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