Os conflitos humanos com a tecnologia

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Na verdade e preliminarmente, não deveríamos nos curvar tanto à tecnologia considerando que quem as cria, inova e desenvolve são os seres humanos. Pelo que se lê, ainda não se vislumbra um momento em que a máquina nos suplantará e nos dominará. Todavia, não é razoável que pensemos que esse mundo de descobertas e avanços está para se estabilizar. Pelo contrário, quem viver, verá. Porém, não foi assim como tudo era visto há cerca de um século e meio atrás.

Bill Bryson, no seu curioso e complexo livro Breve História de Quase Tudo, editado em português pela Companhia das Letras, em 2005 escreve: “Ao final do século XIX, os cientistas podiam refletir com satisfação que haviam desvendado a maioria dos mistérios do mundo físico: eletricidade, magnetismo, gases, óptica, acústica, cinética e mecânica estatística, para citar alguns campos. Eles haviam descoberto o raio X, o raio catódico, o elétron e a radioatividade, e inventado o ohm, o watt, o kelvin, o joule, o ampère e o pequeno erg. […] Muitas pessoas cultas acreditavam que não restava muito para a Ciência fazer”.

                Em seguida, nesse mesmo capítulo do livro, o autor vai fazer referências a Max Planck e a Albert Einstein, que viriam revolucionar a Física com as suas respectivas teorias: a quântica e a da relatividade. Mas, é necessário que façamos nós mesmos alguns acréscimos no avanço da Ciência no século XX. Na saúde, a descoberta da penicilina, que abriu caminho para os antibióticos; o conhecimento da estrutura do DNA – ácido desoxirribonucleico – que revolucionou a Genética; e a pílula anticoncepcional, que resultou na liberdade sexual e na independência da mulher, contribuindo noutro plano no controle demográfico do Planeta. Na engenharia, os novos plásticos, o transístor e a imensurável internet.

                Nesse emaranhado de desenvolvimento vamos destacar a chamada 4ª Revolução Industrial, conceito dado em 2016 pelo economista alemão Klaus Schwab, um dos fundadores do Fórum Econômico Mundial. Ela tem origem na Indústria 4.0 descrita no “site” da multinacional espanhola de energia elétrica IBERDROLA, “como aquela que mistura técnicas de produção de vanguarda com sistemas inteligentes que se integram com as organizações e as pessoas”. Mas a Iberdrola vai ao livro do próprio Schwab para melhor tentar a explicação desse conceito de Indústria 4.0: “A Quarta Revolução Industrial gera um mundo no qual os sistemas de fabricação virtuais e físicos cooperam entre si de maneira flexível em nível global”. Todavia continua o próprio “site”: “Porém, não consiste somente em sistemas inteligentes e conectados. Seu alcance é mais amplo e vai desde o sequenciamento genético até a nanotecnologia, e das energias renováveis à computação quântica. É a fusão destas tecnologias e sua interação por meio dos domínios físicos, digitais e biológicos que fazem com que a Quarta Revolução Industrial seja diferente das anteriores”. Como vamos percebendo até a conceituação vai se tornando mais complicada de entendimento na medida dos avanços. Vejamos o que a Iberdrola fala das revoluções anteriores, com mais simplicidade.

 1ª Revolução Industrial ou Revolução 1.0: 1784, produção mecânica com o uso de máquinas à vapor, que surgiram com o tear mecânico.

 2ª Revolução Industrial ou Revolução 2.0: 1850/70, com o início da produção em grande escala baseada na eletricidade. Inventa-se a cadeia de montagem e o setor industrial vive uma extraordinária aceleração.

 3ª Revolução Industrial ou Revolução 3.0: 1969, com a Informática, ‘começamos a programar as máquinas’, o que significa uma progressiva automatização.

Todas as mudanças acontecem produzindo efeitos positivos e negativos. Não foi diferente com o advento da Revolução Industrial que aumentou a produção e a rentabilidade. Por outro lado, os ambientes de trabalho nas fábricas têxteis eram insalubres e as jornadas longas. Piorando para os trabalhadores, as máquinas lhes tiraram empregos. No princípio, até houve os movimentos dos “quebradores de máquinas”.

 No caso da Revolução.4 não seria diferente a questão do fechamento de postos de trabalho, aliás em proporções muito mais crescentes. Relatório produzido pela Mc Kinsey Global, no marco dessa transição, previa uma perda de 800 milhões de empregos até 2030. Outros milhões a menos poderiam surgir como decorrência das próprias transformações. Voltando ao “site” da multinacional Iberdrola, que já atua no Brasil na área de energia eólica, as tecnologias resultantes da 4ª Revolução Industrial são: a inteligência artificial; a internet das coisas; o incremento da informação através de dados – a big data – considerando que informação é poder; as impressoras em 3D ou 4D; o surgimento dos ‘cobots’, que são robôs que otimizam a produção e afastam trabalhadores de locais monótonos e perigosos.

Bem que temos vontade de quebrar certas máquinas como no passado, mas nunca esteve nesta atitude a solução dos problemas. A inteligência artificial dos celulares ousam mudar para pior nossas palavras ou frases inteiras, causando constrangimentos particulares ou em redes sociais. Ou quando recebemos excessos de ligações telefônicas feitas por robôs muito mais preparados para monólogos do que para diálogos, pois, somente entendem respostas monossilábicas, muito distantes do que gostaríamos que entendessem. Pior quando você é importunado por uma ligação feita por um robô que ainda tem a ousadia de lhe dizer: “aguarde um momento porque nossos assistentes estão todos ocupados”. Ou a ligação mais frequente: “você é o fulano? Seu CPF começa com os dígitos 890?”. Ou ainda: “Queremos falar com Marco. É você?” Então, se você tem de responder as únicas palavras para o que o maldito está programad se quiser dar sequência nessa conversa compulsória: sim ou não. Não dá prá levar em frente nada disso, porque nossos problemas são múltiplos e as programações dos robôs muito restritas. Fora as brigas que você arranja em redes sociais, grande parte delas desencadeadas por disparos robóticos provocativos, no caso do acirramento ideológico atual.

                Entretanto, nas mídias a propaganda é de eficiência de assistentes virtuais como Eduardo / “Oi”; Joice / Claro; Taís / TIM. Há os restritos como Siri / Apple; Alexa / Amazon.

                Porém, meu protesto maior, como mineiro, vai para a CEMIG – Cia. Energética de Minas Gerais – que vem sendo sucateada desde os governos tucanos dos anos 1990, com a motivação única de privatizá-la. Um dos motivos da perda de seu padrão de qualidade têm sido as terceirizações, situação também padecida pela Petrobrás e outras estatais. Neste aspecto, é triste lembrar que falhas na manutenção ou segurança geraram muitos mortos num Carnaval, no vizinho município de Bandeira, e uma morte e mutilações numa ruptura de cabo em Muzambinho. Entrementes, estamos falando de assistência virtual e a CEMIG vai, pouco a pouco adentrando nessa “modernidade”, tendo como um dos objetivos o mesmo das empresas privadas – a redução do seu quadro de funcionários / servidores. A qualidade é ruim tanto quanto atribuímos acima aos particulares. Mas, minha mais veemente condenação nesse processo reside no fechamento de escritórios da CEMIG nos diversos municípios. Parcela das atribuições dos mesmos são repassados para comércios particulares. O que temos observado são queixas de contribuintes que se submetem a filas nesses estabelecimentos, nos diversos municípios, com o constrangimento maior de terem que confessar seus variados problemas, inclusive de contas atrasadas, para pessoas que podem não ter a suficiente ética do sigilo, ou mesmo, terceiros bisbilhotando os diálogos entre cliente CEMIG e atendente, correspondente CEMIG.

                O progresso humano tem sido avassalador e tem muitos lados positivos. Mas, há outros lados que estão do outro lado de um abismo onde vivem pessoas jamais beneficiadas por esse progresso.    

 

Marco Regis é médico, foi prefeito de Muzambinho (1989/92; 2005/08) e deputado estadual-MG
(1995/98; 1999/2003) *marco.regis@hotmail.com*

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