O episódio recente da derrota do Brasil na copa sul-americana, me remete, pela similaridade, à copa do mundo de 1970.
Naquela época – e já se vão mais de 50 anos- o presidente General Emílio Garrastazu Médice quis interferir na escalação do Brasil para a copa do mundo de 1970, a ser realizada no México. Seria a primeira copa a ser transmitida ao vivo e em cores. A televisão em cores dava os seus primeiros passos.
Convém lembrar que o Brasil vivia a dureza do Ato Institucional número cinco e que o “teje preso” era dado sem nenhuma parcimônia.
João Saldanha, comunista convicto, condição que não escondia de ninguém, era o técnico da seleção brasileira. Quando da escalação de suas “feras”. Assim eram chamados os seus convocados, Saldanha deixa de relacionar o centro avante Dario José dos Santos do Atlético Mineiro. “Dada Maravilha”, como era apelidado o jogador, era uma figura exótica e extremamente espirituosa.
Garrastazu faz pressão para que o craque fizesse parte do escrete canarinho. Saldanha teria respondido algo mais ou menos assim. “Da mesma forma que o presidente tem a autonomia para escalar os seus ministros, eu não vou permitir interferência na minha seleção. Quem escala sou eu.” Não é preciso dizer quem perdeu a quebra de braços.
Mário Jorge Lobbo Zagalo passou a ser o novo treinador. Dizem que teria sido um mero marionete nas mãos de experimentados jogadores como Gérson, Rivelino e o maior craque de todos os tempos Pelé. E que, na verdade, quem distribuía as camisas eram estes jogadores. Mas, isso é outra história.
O governo brasileiro queria “faturar” politicamente em cima da seleção. Músicas foram compostas. A mais conhecida era aquela cujo bordão é o seguinte: “setenta milhões em ação, prá frente Brasil”. Sim, na época era esta a população brasileira. Muitos carros exibiam adesivos com os dizeres:”Brasil. Ame-o ou deixe-o”. Este clima de oba-oba, que culminou com o tri do Brasil, era tudo o que o governo militar queria para se fortalecer, respaldado na classe média.
Alguns amigos disseram que torceriam contra a seleção brasileira para afrontar o governo dos generais. Disse-lhes que, embora entendesse, amante e acompanhante do futebol que sempre fora,
eu não conseguiria torcer contra a nossa seleção.
Passados mais de cinquenta anos, vem o governo de plantão com a tática já conhecida, incentivar a realização da Copa América no Brasil, já que a Argentina desistira de sediar o evento, em razão do recrudescimento da pandemia no país, como se não vivêssemos situação semelhante, ou até mais grave.
O propósito era o de desviar atenção do povo da péssima administração da pandemia para o futebol. A imprensa, na visão obtusa dos atuais mandatários, teria um assunto palpitante, que mexe com a alma do brasileiro, para cuidar. O governo federal poderia, assim, aproveitar o futebol para “passar fazer outras boiadas.”
Como havia quem defendesse a não participação dos jogadores no torneio, esperou-se, até a última hora, uma manifestação da comissão técnica e dos atletas. Achei até que eles não aceitariam jogar, em nome do risco sanitário a que estariam submetidos, assim como seus companheiros de outras seleções, a imprensa e os visitantes. Podendo, ainda, a disseminação de variantes agravar, ainda mais, o quadro terrível que vivemos.
Os jogadores, todos consagrados internacionalmente, todos realizados economicamente, teriam, na minha opinião, a obrigação de exercer um papel significativo de liderança. Perderam uma grande oportunidade de o fazer. A recusa de jogar teria sido uma mensagem extraordinária de empatia para com as milhares de famílias enlutadas neste país sofrido.
Realizou-se, assim, uma copa chocha, sem vibração, com um futebol de baixa qualidade e com seleções desfalcadas pela covid.
Sonolentamente, acompanhei uma final de Brasil e Argentina, torcendo, naturalmente, pelo Brasil, mas sem nenhuma emoção. A derrota do Brasil sempre me deixava um sabor amargo. No entanto, desta vez, não sei por que, a vitória da Argentina não me trouxe nenhum dissabor.
( NILSON BORTOLOTI – Muzambinho/MG)