POLITICAMENTE INCORRETO

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Fumei durante 48 anos. Há treze anos, num dia de São Judas Tadeu – o santo das causas impossíveis – deixei definitivamente(?) de fumar. Os fumantes ou aqueles que já deixaram o vício sabem que não é nada fácil parar de fumar. Winston Churchil dizia :”deixar de fumar é facílimo; eu já deixei milhares de vezes.”
Quase todos da minha geração fumavam, uns ainda fumam. Outros o efisema pulmonar os levou. Começamos a usar o tabaco com os artistas de cinema. Era um hábito extremamente glamoroso. Clark Gable, Burt Lancaster, Clint Eastwood, Care Grant e tantos outros nos convidavam diariamente a ingressar neste mundo “mágico”, “maravilhoso” do cigarro.
Até o nosso cancioneiro popular nos incentivava a fumar. Dalva de Oliveira, nos anos de mil, novecentos e cinquenta, já cantava: ‘Fumar é um prazer que faz sonhar/ Fumando espero aquele a que mais quero/Se ele não vem então me desespero/ Enquanto eu fumo depressa a vida passa…”,
Nos tempos de colégio, fumávamos “escondidos”, atrás de um prediozinho que havia na entrada da Escola Estadual Prof. Salatiel de Almeida, onde funcionava a secretaria do colégio e que foi destruído por um incêndio criminoso. Coloquei o “escondidos” entre aspas porque era público e notório que, na hora do intervalo, ali nos reuníamos, os rapazes, com o beneplácito das autoridades escolares para usufruir do tabaco. Como o dinheiro era pouco para todos, os parcos cigarros iam passando de boca em boca.
Os professores eram nossos principais incentivadores. Quase todos fumavam. E fumavam na sala-de-aula. Era um vício socialmente aceito, menos para as mulheres, hoje ainda o é, porém, em muito menor escala. Naquele época era chique; hoje é brega.
Lembro-me perfeitamente todo o ritual que um determinado professor fazia para “degustar” o seu cigarro. Pegava o maço cheio de seu mistura fina, Desprendia-o do invólucro metálico, virava-o de cabeça para baixo com todos os cigarros e colocava-o de volta dentro do maço externo. (Nunca entendi por que, já que ainda não havia cigarros com filtros). Escolhia um dos cigarros e brincava com ele, batia uma das pontas no dedo polegar, depois tamborilava-o na caixa de fósforo, em seguida, levava-o à boca. Enquanto isso ia falando e discorrendo sobre o tema da aula. Depois de toda esta encenação, acendia finalmente o danado. Sugava aquela fumaça “inebriante” e ia soltando-a aos poucos, com a boca em bico, desenhando pequenos círculos no ar.
Ainda garoto, pensava: “isso só pode ser maravilhoso!”
Quando comecei a dar aulas, em 1975, os professores ainda fumavam nas salas. Os alunos mais velhos também faziam uso do tabaco com a aquiescência de seus mestres. A cantina do colégio também vendia cigarros.
Foi feita uma experiência na Universidade Federal de São Carlos com ratos para ver o grau de dependência da nicotina. Separaram os ratos em dois grupos. Ambos os grupos foram deixados presos sem alimentos por algum tempo. Só que em um dos grupos foi inoculada a nicotina, com o propósito de viciar os coitadinhos pela substância.
Depois de alguns dias, os dois grupos foram soltos. Colocaram à disposição dos camundongos o alimento e a nicotina. Os ratos do grupo não viciado correram para o alimento enquanto que os “viciados” procuraram primeiro a nicotina.
Pude sentir a veracidade da experiência na própria pele. Nos primeiros tempos que passei em São Paulo, muitas vezes, tinha dinheiro ou para a comida ou para o cigarro. O prezado leitor naturalmente há de deduzir qual a escolha que fazia. Quem é fumante ou já o foi haverá de comprovar este testemunho.
Quando viajávamos de ônibus o anseio era grande pelas paradas de ônibus para acendermos o desejado. Às vezes, a gente fumava até dois cigarros em cada parada, tal era a agonia da abstenção.
Nos tempos idos, fumava-se no ônibus. Nos braços das poltronas havia até um pequeno cinzeiro para atender o passageiro. Os avisos alertavam apenas que não se podia fumar cigarro de palha ou cachimbo. Pode-se imaginar o ar poluído e fétido que exalava sob o beneplácito tácito de todos. Como os ônibus não tinham ar condicionado e nem banheiro, algumas vezes o motorista tinha que parar o veículo para alguém vomitar.
Li dia destes na “Folha de São Paulo” que o jogador meio campista da Croácia, cujo nome neste momento me escapa, e que é considerado o “pulmão” do time, correndo em média uma São Silvestre a cada jogo, é…, pasmem…fumante.
Há alguns anos, meu médico sabedor do meu histórico de fumante recomendou-me uma chapa de pulmões, nos velhos tempos conhecida como abreugrafia. Constatou que meus pulmões estão limpos.
Exemplos assim fazem a gente até pensar em voltar a fumar.
Se não o faço é por um motivo essencial, além da saúde, naturalmente. Agora que não mais faço o uso do tabaco, vejo gente que como eu corria para descer do ônibus e acender um cigarro. Quando o cidadão volta para o ônibus ele exala um cheiro horroroso. Constrangido, pude constatar que o fumante fede.

 

Por Nilson Bortoloti (Professor aposentado,
ex-prefeito e ex-vereador em Muzambinho)

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