“E se escrevêssemos um livro, contando as histórias populares da cidade, dessas que o povo conta e vai passando de geração em geração?”, disse um grande amigo meu. Questionamento propício para surgir ao delei-te de um copo de cerveja, como de fato foi, e que mereceu a certeira resposta de “por que não?”. Claro, exceto pela dificuldade de se consolidar um projeto da criação de um livro e todo trabalho de pesquisa que deveria ser feito para ele, seria algo de grande valia. Afinal, todo povo, toda comunidade tem suas histórias, suas lendas, seus causos e suas personagens; que correm grande risco de caírem no esquecimento conforme as gerações vão passando.
Fiquei pensando muito a respeito dessa fragilidade que possuem a história e cultura locais. O alcance do fa-to histórico parece definir seu grau de preservação. Se temos um fato histórico nacional, certamente teremos trabalhos acadêmicos, obras literárias, pesquisadores especialistas, acervos e alas em museus destinados a eles. Assim, se alguém tiver interesse sobre a Independência do Brasil, terá um leque de opções, entre fontes e acer-vos, para se informar. Isto estimula o interesse por conhecimento, que, por sua vez, estimula mais pesquisas.
Agora, se formos pegar um fato histórico local, as dificuldades de se encontrar informações serão maiores. Isto acontece porque dependeria de estudos locais, entre entrevistas e pesquisas, além de espaços destinados à cultura local, como museu e casa da cultura, para servir como base e fonte. Porém, esta não é uma realidade das cidades, sobretudo quanto às menores e mais interioranas.
Então, como resgatar a história local? Através do seu co-autor: O povo.
Escrever um livro sobre as histórias locais, os causos, as lendas e as personagens marcantes é uma forma de registrar e documentar um pouco sobre a cultura local. Como falei, é trabalho árduo, de entrevistas e pesquisas, para se chegar em algumas informações pertinentes. Mas existem outras formas de se fazer este regaste: No Facebook, existem grupos (“cabo verde através do tempo” e “Cabo Verde: Memórias”) em que seus participan-tes compartilham fotografias antigas, de pessoas, casas, ruas, paisagens locais. Nos comentários, sempre sur-gem histórias, rememorando algum fato à imagem. Este regaste histórico colaborativo, quando tratamos da his-tória e cultura locais, é o mais proveitoso, pois permite relatos em distintas versões, que, muitas vezes, vivenci-aram o que estão narrando.
Só que as ações precisariam ser coordenadas e com a participação da Gestão Pública, uma vez que o “Aces-so à Cultura” é, inclusive, Direito do Cidadão! E quantos projetos e poderiam ser feitos! Uma série documental de entrevistas, sobretudo com aqueles já mais longevos; uma exposição de fotografias e filmagens históricas, que auxiliariam na narrativa histórica da cidade; a coleta de objetos históricos para exposição de acervo; reco-nhecimento de personalidades marcantes na construção do município; (…) As ideias são tantas, mas a cultura, neste sentido amplo, é negligenciada e esta gama de ações acaba ficando de escanteio.
Em Cabo Verde, o desmazelo tomou forma física. Costumo dizer que basta olhar a situação da nossa Casa da Cultura para entender como a Cultura foi e é encarada por esses tempos. “Ah, mas não tem recurso” é um argumento utilizado que demonstra desinteresse no assunto, uma vez que recurso não cai do céu nem dá em árvore; ações precisam ser feitas (algumas até já são), para angariar tais recursos. Além disso, cabe interesse e articulação política. “Já temos algo pensado para nossa Casa da Cultura” também pode ser falado, como se amenizasse momentaneamente a situação, postergando alguma medida e se baseando na ideia de que “transpa-rência” é algo que o cidadão que tem que correr atrás da informação. “É que o povo não tem interesse” eu es-pero nunca ouvir de um prefeito, vice, vereador ou qualquer que seja envolvido na administração pública lo-cal, como aqueles conhecidos como ‘prefeitinhos’ (já estou fugindo muito do tema e, em breve, quero tratar especificamente sobre a situação da Casa da Cultura de Cabo Verde).
Cabe o registro: Não estou dizendo que não há ação da gestão quanto à Cultura na cidade, afinal, nestes úl-timos anos, tivemos alguns retornos de eventos e atividades culturais. Mas ainda falta. E o endereço destinado a sediar nossa cultura não poderia ser tratado como é.
O resgate histórico local é uma forma de manter presente a vida daqueles que deixaram suas marcas em nossas ruas, em nosso povo; compreendendo quem nós fomos e o que já fizemos. Se este resgate for feito por várias mãos, na montagem de um grande quebra-cabeça, o resultado será ainda mais rico. E quem sabe, daqui alguns anos, eu esteja aqui relatando o trabalho feito e resultado conquistado. Que assim seja.
POR: LUCAS FILIPE TOLEDO |
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