O passado que atravanca o Brasil está mais presente entre nós do que qualquer um pode imaginar. Desde a maneira de falar e de escrever, passando pela maneira de viver; e até a maneira de pensar a vida e a política. O sociólogo José de Souza Martins, constata: “Ainda se fala em todo o país, um resquício da língua Nheengatu, que poderia ser chamada de língua nacional brasileira ou língua do povo”. – E é verdade, o Nheengatu foi uma língua criada pelos jesuítas, influenciada pelo padre Anchieta. Baseada na língua Tupi e organizada a partir da gramática portuguesa, difundiu-se por todo o litoral do país. Na verdade, nem nos damos conta de que a nossa geografia tem o predomínio do Nheengatu, uma língua de servidão. Aí está o “mecê” de “vossa mercê” ou “vosmecê” com que os inferiores tratavam os seus senhores (esses analfabetos de pai-e-mãe). Homem virou “home”, mulher virou “muié”, orelha virou “oreia”, além dos recentes “magina” (paulistanês) e do “caraca” (carioquês). Mais do que um vocabulário: essa linguagem sobrevivente tem parâmetros de consciência relativos à subalternidade. Raramente dizemos uma frase inteira. Nossa fala cotidiana tem sujeito e verbo; raramente objeto e complemento. Sérgio Buarque de Hollanda, escritor e historiador brasileiro, analisa: “Diferente do que ocorre com a língua portuguesa em Portugal, sempre dizemos as coisas pela metade: Eu vou, mas não dizemos para onde vamos e quando. Essa é a linguagem do medo; de quem não pode dizer uma frase completa porque não tem certeza!” – E essa linguagem incompleta é a linguagem dos subentendidos, da certeza de que o outro vai saber o que queremos dizer. Linguagem da dissimulação e da sobrevivência; do faz de conta! Falando ou escrevendo metade, dizemos o que os outros querem ouvir ou ler. Sempre deixamos um resto de frase para completar o andamento da comunicação. – E pergunto ao Sobrenatural de Almeida, aquele personagem do dramaturgo Nelson Rodrigues: Como pode um povo, cuja consciência política é expressão de uma fala mutilada, se tornar um povo politizado e, portanto, desenvolvido?
Paulo Augusto de Podestá Botelho é Professor e Escritor.
Visite o Site https//paulobotelhoadm.com.br