Prá começo de polêmica, não vou sustentar a tese do título pelo qual batizo o atual artigo. Quer dizer, seria desconhecimento, infantilidade ou ingenuidade de minha parte a insinuação de que acontecimentos violentos estejam ocorrendo porque estaríamos prestes à hecatombe apocalíptica, quiçá da vida terrestre. Muito pior seria imaginarmos a violência como exclusividade dos tempos em que vivemos, ignorando as atrocidades que constituíram a histórica evolução humana através dos milênios.
Para aqueles que acreditam na Bíblia Sagrada, nela encontrarão várias citações de violência, estando a primeira logo em Gênesis 6:11-13, na passagem relativa ao Dilúvio: (11) “A terra estava corrompida à vista de Deus e cheia de violência”. (13) “Então, disse Deus a Noé: resolvi dar cabo de toda carne, porque a terra está cheia de violência dos homens; eis que os farei perecer juntamente com a terra”. Nos Salmos há várias citações neste sentido e nele escolhemos esta: “Considera a tua aliança, pois os lugares tenebrosos da terra estão cheios de moradas de violência (Sl 74:20). Bíblia e História se entrelaçam na visão dos estudiosos. Desde criança me horrorizei com explanações religiosas relativas às monstruosidades praticadas por Nabucodonozor, Rei da Babilônia, que escravizou os judeus. O vazamento dos olhos e o escalpelamento eram praticados nos prisioneiros.
Nos gibis conhecemos a antropofagia praticada pelos povos nativos dos vários continentes e, também, a ferocidade dos escalpos. Na História da Civilização guerras sempre foram constantes e com elas as formas cruéis de execução dos inimigos. E o que dizer dos milhares que morreram nas fogueiras em mais de 300 anos da Santa Inquisição? Em tempos mais recentes reconhecemos outros horrores como a perversidade do totalitarismo seja o nazifascista seja o stalinista. Entre 1939/45 nos chocam o extermínio de milhões de judeus pelo regime nazista e o genocídio atômico praticado pelos Estados Unidos da América em Hiroshima, Nagasaki e arredores nipônicos. Na continuidade das guerras, podemos acrescentar a atual invasão da Rússia na Ucrânia, mas, isto fazendo, não podemos esconder as duas invasões dos norte-americanos no Irak, a destruição do país e um saldo estimado de 500.000 árabes mortos.
Além disso, livros, jornais e anais da polícia relatam o cometimento de antigos e bárbaros crimes de morte. Dos desastres naturais os mais remotos registros são de terremotos, maremotos e vulcões que ceifaram milhares de vidas, ficando por conta de doenças viróticas, como as pestes, outros milhões de mortos.
Mas, questionarão os leitores: a violência na atualidade, em todos os sentidos, está muito pior, parecendo mesmo o final dos tempos. Penso e opto pelo talvez sim. Pois, temos explicações convincentes para isso: o crescimento populacional e o processo de urbanização, além da instantaneidade da informação, que nos mostra os acontecimentos nos quatro cantos do mundo quase que nos momentos das suas ocorrências.
Resumamos a “Transição Demográfica”, obtida no “site” Cola da Web para melhor entendimento de como cresceu a população mundial. Éramos 30 milhões de pessoas quando do surgimento das primeiras civilizações (3.000 a.C.); chegamos a 160 milhões (50 a.C.); alcançando 350 milhões de habitantes ao fim da Idade Média (1.400 d.C.). No século XIX (1.830) atingimos HUM BILHÃO de habitantes, que dobrou para 2 bilhões uns 100 anos depois, antes da 2ª Guerra Mundial. Atualmente, somos quase 4 vezes isso, 7,6 bilhões de habitantes, embora estejamos na Fase 4 dessa Transição, denominada de Estabilização Populacional, que é uma promissora esperança,
Há inúmeras variáveis correlacionadas com o aumento da população, principalmente as taxas de natalidade e de mortalidade, estando estas ligadas ao planejamento familiar ou ao controle da natalidade, ao aumento da expectativa de vida pelos avanços da medicina e da bioengenharia, etc. Certamente o aumento da população a expõe à maior frequência e intensidade dos desastres naturais e das tragédias humanas. Temos contabilizado centenas de mortes aqui no Brasil, neste ano, em decorrência das chuvas, transbordamento de ribeirões e deslizamento de encostas, atingindo sempre os mais pobres que, por necessidade, ocupam áreas de risco.
Gostaria de me deter na violência urbana e humana do Brasil. Mas, antes, não poderia deixar de focalizar a banalização dos massacres nos Estados Unidos, nos quais elementos descarregam seus problemas pessoais, suas psicopatias e sua fúria em igrejas, estabelecimentos comerciais e escolas. O jornal português EXPRESSO, em sua edição de 25 de maio passado dá como 212 o número de ataques em massa neste ano de 2022. Diz mais: segundo o Gun Violence Archive foram 3.500 nos últimos dez anos. Horrendo este último e sangrento numa escola de ensino fundamental em Uvalde, Texas. Um atirador que, no dia em que completou 18 anos, comprou com a facilidade das leis norte-americanas, um fuzil AR-15 e outra arma automática. De posse dessas armas, friamente, matou 19 crianças e 2 professoras. Ninguém consegue deter o “lobby” das armas naquele país. Baseadas em um artigo da Constituição dos U.S.A. as leis são mantidas, principalmente, pelo apoio dos senadores Republicanos, que há anos formam a maioria nessa Casa do Congresso. Bilhões de dólares, provenientes da indústria armamentista, financiam as campanhas eleitorais deles. Também parte dos Democratas são subvencionados, embora mais contidos no plano interno, porém irresponsáveis no plano externo como todos os estadunidenses, como agora ocorre na Guerra da Ucrânia, onde bilhões de dólares em armamentos de guerra, principalmente para o agrado dessa indústria das armas, têm sido injetados em favor do país invadido, prolongando a guerra e o morticínio não somente dos ucranianos, também dos russos.
Voltando à nossa Pátria, não há como deixar de condenar a violência policial, pois essas autoridades estão passando dos limites no abuso de suas funções. Alguém vai me retrucar: antes a sobrevivência do policial do que a do bandido. Ocorre que não podemos acobertar penas de morte decretadas e alegadas pelas polícias em supostos confrontos, pois a pena capital não existe no Brasil. Além do mais, no acesso à carreira militar todos tomam consciência dos riscos da profissão.
Minha intenção não estava em generalizar de maneira superficial assunto tão complexo e delicado. Entretanto, meu propósito é marcar minha presença nos protestos frente à covarde tortura praticada por policiais rodoviários federais, que redundou na morte inaceitável de um cidadão do Estado de Sergipe, Genivaldo de Jesus Santos, no município de Umbaúba. O crime da vítima foi o de transitar na sua moto sem capacete, realmente uma infração às leis de trânsito. Todavia, as consequências disso recairiam no próprio motociclista, um delito de pequeno potencial para o trânsito e para a sociedade. Instado por uma leitora para que eu republicasse um artigo de Marcos Nogueira, na Folha de São Paulo, de 28/5/2022, vou pinçar partes do mesmo por questão de compromisso com o espaço que me é cedido. Ei-lo. “Ouvidos pela Folha, especialistas em Segurança Pública apontaram ‘uma série de erros’ na abordagem da PRF a Genivaldo, que foi parado por pilotar moto sem capacete numa estrada de Sergipe. Genivaldo foi algemado e fechado no porta-malas de uma viatura, de onde saía abundante fumaça, que foi identificada como proveniente de uma bomba de gás lacrimogênio, enquanto vídeos mostravam o desespero do preso, com suas pernas se debatendo, fechado no porta-malas e envolvido por toda aquela fumaça. MORREU. Do alto da minha falta de especialização, afirmo sem medo de errar que os especialistas estão errados. Erro é esquecer a panela no fogo e deixar o feijão queimar. […] Erro é remover a gordura da picanha para fazer churrasco. Erro é quando você pede carne mal passada e recebe estorricada. […] Erro é comer ‘sushi’ com garfo e faca. […] Erro é fazer compras distraído e levar prá casa café sem cafeína, leite sem lactose e cerveja sem álcool […] Erro é pedir bife em restaurante de peixe e lasanha na churrascaria. […] Erro é colocar sal no café e açúcar na batata frita. O que a PRF fez com Genivaldo é tortura que resultou em morte. É homicídio qualificado. É execução. […] A morte de Genivaldo é resultado de uma série de erros – erros nossos, não dos carrascos rodoviários. Foi um erro enorme ter permitido o empoderamento dos guardinhas e das viúvas da ditadura […] Foi um erro inadmissível entregar o País a uma corja de desqualificados que celebram a morte.”.
Enfim, sempre entendi que não é acenando lencinhos brancos que conquistaremos a paz. A paz se conquista com atitudes e com coragem, muitas vezes com a própria guerra. O resto é conversa prá boi dormir.
Marco Regis é médico, foi prefeito de Muzambinho (1989/92; 2005/08) e deputado estadual-MG
(1995/98; 1999/2003) marco.regis@hotmail.com