Outro dia comprei um rádio para o carro. Parece esquisito, porque hoje todos os veículos saem de fábrica já equipados com modernos e potentes sistemas de som, mas o carro em questão é um Corcel fabricado em 1976 e, portanto, desprovido dessas tecnologias. E nessa busca por um rádio, que fiz pela Internet, tive algumas surpresas. A primeira foi o preço, que considerei bem em conta. Um aparelho novo em folha que promete sintonizar todas as estações e com painel cheio de luzes coloridas (não gosto mas era o que tinha) custou 80 reais. Na boa, pensei que fosse mais caro porque nos meus tempos de juventude, instalar um toca fitas no carro exigia um bom investimento. Um modelo TKR, que era o fino da bossa, não saía por menos de 1 mil reais, em valores de hoje. Só que já faz um bom tempo que esses modelos viraram peças de museu. Sei que, no fim das contas, para meu desconsolo, o aparelho que comprei é um rádio que não toca fitas. Aliás, nem CD ele toca. Segundo o folheto que acompanha o aparelho, ele tem uma entrada para pen drive, outra para USB, outra para Sd Card (nem sei o que é isso) e é dotado da tecnologia Bluetooth, que permite a conexão remota com o celular. Ou seja, eu posso ouvir no rádio qualquer música que eu tenha armazenado no celular. Mas não conseguirei ouvir uma fita K7. Ou seja, o aparelho é bacana, modernoso, estiloso e coisa e tal mas acho que não vai combinar muito com meu Corcelzinho 76. Sei lá, só acho. Na moral, preferia instalar um toca fitas mesmo. Só quem teve toca fitas sabe a dor e a delícia de possuir um. Os jovens de hoje certamente nunca tiveram o supremo prazer de retirar, com toda paciência do mundo, uma fita K7 que ficou enroscada nas mais profundas entranhas do aparelho. Via de regra isso só acontecia com as fitas que tinham as melhores músicas. E muito menos curtiram, quando a fita arrebentava, o barato de desmontar a caixinha, colar a fita, montar a caixinha novamente e, por fim, enrolar a fita usando uma caneta. E vibrar quando ela rodava no toca fitas. Tudo bem que a música dava um ‘pulo’ no trecho que tinha sido colado, mas isso era o de menos. Sem falar que o toca fitas se tornava, literalmente, uma companhia inseparável para o motorista. Como eram muito visados por ladrões, que estouravam vidros e quebravam os painéis para roubar, existia o toca fitas de ‘gaveta’. Tinha esse nome porque era possível acoplar e desacoplar o aparelho do painel. Por isso era muito comum ver alguém entrando no bar, no restaurante ou na igreja com um toca fitas a tiracolo. Era esquisito, dava trabalho mas não era necessariamente ruim. Um ‘tá ruim mas tá bão’ define bem o que era o toca fitas. Que foi engolido pela tecnologia e ficou apenas na lembrança. Assim como a vitrola ou toca discos, que também me enche de saudade e nostalgia. Ainda era criança quando tive contato com a primeira vitrola. Papai tinha uma na ‘venda’ do São Bartolomeu. Me lembro que ela era grande e o ‘braço’ onde ficava a agulha era na cor bege. Lembro também que havia poucos discos de vinil e quase todos, sertanejos. É daí que vem minha paixão pela música caipira. Mas por serem poucos, eles acabavam tocando muito e ficavam invariavelmente riscados ou empenados. Sabe assim, quando fica todo torto e o braço da agulha parece um barco navegando em mar agitado? Era desse jeito. Para que a agulha não deslizasse o truque era colocar algum peso na ponta do braço, onde fica a agulha. Na maioria das vezes uma moeda ou uma caixa de fósforos resolvia bem a parada. E aquele chiado provocado pelo desgaste do disco nem incomodava, pelo contrário, tinha um charme muito especial. Agora, depois de décadas esquecidos e relegados a segundo plano, as vitrolas e discos de vinil voltaram a ficar ‘on’ e se tornaram objetos de desejo para colecionadores e saudosistas. Algum tempo atrás, ganhei uma vitrola de aniversário, presente de minha mulher e meus filhos, e tenho garimpado discos de vinil por aí. Já consegui alguns e estou em busca de outros. Aliás, se você tem discos de vinil esquecidos em alguma caixa e não sabe o que fazer com eles, saiba que aceito doações de bom grado. Serão bem cuidados e os ouvirei com muito prazer. Pena que não conseguirei ouvir também algumas fitas k7 bem antigas que encontrei outro dia numa gaveta. Tudo porque, pecado dos pecados, o toca fitas que comprei para o Corcel 76 não consegue… tocar fitas! E ainda dizem que o mundo progrediu.
Por hoje é isso. Semana que vem talvez tenha mais. Até lá.
(Raul Dias Filho)
O autor é jornalista e repórter especial da Record TV
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