Alguns fatos marcam nossas vidas. Grande parte deles estão relacionados com as primeiras experiências e sensações que experimentamos. E que, por serem novas e marcantes, se transformam em lembranças que nos acompanham para sempre. Algumas coisas são subjetivas, como a primeira namorada, por exemplo, e dizem respeito a alguns sentimentos que afloram pela primeira vez, como atração, ternura, desejo e paixão. Outras são mais objetivas, palpáveis, e dizem respeito às conquistas materiais, aqueles sonhos de consumo que acalentamos desde crianças e, de repente, conseguimos obter. É assim, por exemplo, para o primeiro carro que compramos na vida. Ou o primeiro que dirigimos. Como esquecer, né? Primeiro porque a sensação de dominar a máquina e ter total controle sobre ela realmente é muito boa. Mas o mais gostoso são os momentos que vivemos durante esse aprendizado. Os erros, os acertos, as barbeiragens, enfim, tudo fica na lembrança. E esses momentos se eternizam quanto temos a sorte de ter, como instrutor, nosso próprio pai. Foi o que aconteceu comigo. Já contei aqui que papai tinha uma ‘linha de leite’. Todos os dias, ele saía de madrugada num caminhão e percorria sítios e fazendas coletando leite e transportando até o laticínio da Polenghi, em Cabo Verde. E eu, ainda criança, ia junto, como ajudante. Em alguns trechos, na estrada de terra e com nenhum movimento, papai me colocava no colo e ensinava como manejar a direção. Essas aulas aconteciam num ‘Mercedão’ cara chata que tinha uma direção imensa e o motor que parecia um baú e deixava a cabine tão quente como um forno. Mesmo assim era delicioso estar dentro dele. Em pouco tempo aprendi também a usar os pedais, trocar as marchas e logo estava dirigindo sozinho. Só depois de muitos anos é que fui dirigir um carro pela primeira vez: um Fiat 147 GLS, bege, que papai havia comprado. Depois dele, ele teve também um Corcelzinho azul, 78, que me acompanhou durante muitos anos. Fazia tanto sucesso na república onde morava, em Campinas, que os colegas o chamavam de Pórschinho, diminutivo carinho de Porsche. São desses carros que guardo muitas boas lembranças. Por isso fiquei feliz quando, semanas atrás, consegui comprar um Fiat 147, bege, muito parecido com aquele de antigamente. Nesse momento ele está em Muzambinho, passando pelas mãos competentes de Ivan, Mello e Cesar, que são, respectivamente, o eletricista, o tapeceiro e o vidraceiro que vão dar uma repaginada no Fietinho (sim, esse é o novo nome dele). Porque estou falando sobre isso? Porque esse carro também remete ao que falei anteriormente sobre conquistas. Nem sempre elas estão relacionadas com valores materiais. O Fietinho é antigo e barato. Mas vai me proporcionar o prazer de, com ele, fazer alguns breves passeios. E, ao mesmo tempo, boas viagens ao passado.
Por hoje é isso. Semana que vem tem mais. Até lá.
(Raul Dias Filho)
O autor é jornalista e repórter especial da Record TV
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