Por esses dias a paralisação dos caminhoneiros provocou uma corrida aos postos de gasolina. Todo mundo enchendo o tanque, com medo de um desabastecimento geral. Vi algumas imagens das manifestações, inclusive com grevistas impedindo a passagem de caminhoneiros que queriam continuar trabalhando, e percebi que a maioria dos caminhões parados eram de transportadoras. O motorista autônomo, que depende do frete, não queria parar. Porque se parar, ele quebra. Não conseguem competir com as grandes transportadoras, que absorvem melhor os custos e monopolizam o transporte rodoviário no Brasil. Acho que, num futuro bastante próximo, não teremos mais motoristas autônomos rodando por aí. Os custos são proibitivos. Quase todos os donos de caminhões têm prestações caras para pagar. É uma necessidade! Para ter uma margem de lucro razoável, o motorista precisa de um caminhão mais econômico e que não quebre, ou seja, um caminhão novo. E um caminhão assim, de porte médio, não custa menos de 600 mil reais. Isso só o cavalo, que é a cabine do caminhão. Ainda tem o custo com a carroceria e com o seguro, que é altíssimo. Então, logicamente, o cara é obrigado a financiar. E depois, obrigado a aceitar qualquer frete para conseguir pagar as prestações. Aí, quando começa a rodar, entram os custos com combustível, pedágios, eventuais multas, alimentação e manutenção do bruto. Um pneu de caminhão custa de 3 mil reais pra cima. Ou seja, se estourar um pneu, o frete da viagem não paga. É prejuízo certo. Quem imagina que o universo das estradas é feito de glamour e aventuras, não tem nem ideia do trabalho e do custo que é manter um caminhão. O dia a dia é feito de riscos, ciladas, estradas mal conservadas e cheias de radares e, agora, por um custo altíssimo para rodar. “Ah, mas tem o lado bom”, dirão alguns, e eu vos direi no entanto: uma ova! Quem imagina que a rotina do caminhoneiro é igual à de Pedro e Bino se engana redondamente. Para quem não sabe, Pedro e Bino, vividos pelos ótimos Antônio Fagundes e Stênio Garcia, eram protagonistas de uma série brasileira chamada ‘Carga Pesada’, que retratava as aventuras dos dois parceiros pelas estradas brasileiras. A série era bem legal e coisa e tal, deve ter inspirado muitos jovens a se tornarem caminhoneiros mas tinha um viés romântico e o final era sempre feliz. Bem diferente da realidade que os motoristas enfrentam hoje nas estradas da vida. Eu fico bastante à vontade para falar de caminhões e caminhoneiros porque vivi isso na minha infância e adolescência. Papai tinha um caminhão e, com ele, fazia uma ‘linha de leite’ para a Polenghi, em Cabo Verde. TODOS os dias, contando também sábados, domingos e feriados, ele saía de madrugada para percorrer estradas de terra e recolher o leite que sitiantes e fazendeiros tiravam pela manhã. Depois, à tarde, ainda fazia carretos transportando café, areia ou tijolos, as cargas mais frequentes. O primeiro caminhão dele foi um Chevrolet da década de 60. Mais tarde, ele comprou um Mercedes, aquele conhecido como ‘cara chata’, que muitos chamavam erroneamente de ‘Fenemê’. O Fenemê, na verdade, era um ‘cara chata’ ainda mais antigo e fabricado pela FNM (Fábrica Nacional de Motores). Como brasileiro adora simplificar e dar apelido para tudo, o FNM virou ‘Fenemê’. Enfim, foi nesse caminhão enorme, um Mercedão azul, que papai me ensinou a dirigir. E hoje recordo, com imensa saudade, dos momentos que passamos juntos fazendo a linha de leite e vários carretos. Me lembro que nos dias chuvosos era preciso colocar correntes nos pneus para evitar que o caminhão ficasse preso nos atoleiros. Eram tempos difíceis mas foi assim, dirigindo e trabalhando duro todos os dias, que papai conseguiu criar cinco filhos e proporcionar a todos uma boa educação. Hoje, outros abnegados enfrentam tempos ainda mais difíceis para sustentar suas famílias e continuar rodando com seus caminhões. Que eles ultrapassem todos os obstáculos e sigam em frente com saúde e segurança. E que para esses heróis da estrada, a carga, que sempre foi pesada, nunca se torne insuportável.
Por hoje é isso. Semana que vem tem mais. Até lá.
O autor é jornalista e repórter especial da Record TV
E-mail: rauldiasfilho@hotmail.com