Ivo viu a uva. E Hildebrando viu a viúva. E que viúva: muito magra, esquálida; uma trabalhadora rural de mãos calejadas, ainda jovem, mãe de três filhos.
Ela estava naquela tarde cinzenta e fria na agência dos Correios da pequena cidade tendo nas mãos o cartão da Bolsa Família. – Esperava, com paciência, a sua vez de poder sacar o dinheiro do benefício.
Hildebrando Bueno, que tinha ido à mesma agência para despachar uma correspondência, pergunta à viúva por que recebe o benefício só para dois filhos. – “É que o mais velho tem doze anos e não está matriculado para poder estudar; trabalha na marmoraria o dia todo!” – – Diz com tristeza.
Hildebrando, então lembra (lá com os seus botões) da primeira lição do Método de Alfabetização do pedagogo Paulo Freire: “Não basta saber ler que Ivo viu a uva. – É preciso compreender quem trabalha para produzir a uva; e quem lucra com esse trabalho”. – E deduz: se o pai do menino, que trabalhou na mesma marmoraria e morreu por ingestão sistêmica de Sílica (matéria-prima para produzir o mármore) – o menino vai ter o mesmo destino do pai: morte por Silicose (endurecimento irreversível dos pulmões)..
“É a morte de que se morre, de velhice antes dos trinta, e de fome um pouco por dia”. – Diz o poeta João Cabral de Melo Neto, autor de “Morte e Vida Severina”.
Ivo não viu a uva apenas com os olhos; viu também com a mente.
O mundo desigual da viúva pode ser lido com os olhos do opressor e pelos olhos do oprimido. A viúva é a oprimida com os seus três filhos, vítimas de pobreza infame.
Paulo Augusto de Podestá Botelho é Professor e Escritor.
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