Muzambinho, 18 de setembro de 2024
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A nossa vida, apesar de curta, nos permite muitas oportunidades. As melhores, eu acho, dizem respeito às relações humanas. Como é bom conhecer pessoas e aprender com elas. Pois, para o bem ou para o mal, todas nos ensinam algo. Nós melhoramos, como pessoas e cidadãos, quando observamos e assimilamos os bons exemplos que estão ao nosso redor. Mas nem sempre isso é possível. As necessidades, como estudos ou trabalho, e as circunstâncias que a vida nos impõe, muitas vezes nos afastam de pessoas que admiramos e que poderiam nos ensinar muito mais. Entre essas circunstâncias está a diferença de idades. Sim, sabe aquela pessoa que já era um pouco mais velha quando você ainda era muito jovem? E que, por isso, você teve poucas chances de conversar mais, de conviver mais, de aprender mais? Então, a vida me deu o privilégio de nascer e crescer ao lado de tantas pessoas boas que, às vezes, tenho a sensação de ter perdido muitas dessas oportunidades. Uma delas, sem dúvida, aconteceu com um tio muito querido, generoso e observador, que se chamava Anargino de Assis Dias. Apesar do sobrenome igual, ele não era parente consanguíneo de papai. Virou tio porque se casou com a doce tia Ana, irmã de mamãe. Nós o chamávamos de tio Nargino. Ele era discreto, tinha uma voz grave e forte e, nas conversas, costumava olhar por cima dos óculos enquanto ouvia. E quando falava, todos escutavam com atenção. Porque ele tinha muito conhecimento sobre todas as coisas. Sabia sobre história, política, agronomia e era um empreendedor nato. Depois de trabalhar durante 25 anos como escriturário da Vigorelli, em Jundiaí, voltou para o São Bartolomeu e foi pioneiro na instalação de eletricidade gerada por uma usina construída por ele próprio. E isso era realmente muito impressionante, porque tio Nargino só tinha o primário. Mas era autodidata e tinha uma sede, uma necessidade quase vital de aprender mais e mais. E para isso ele lia pelo menos um livro por dia. Todos os dias. E também escrevia. Nessa época, década de 1990, ele contribuía com crônicas para a ‘Folha de Cabo Verde’, que circulava em Cabo Verde, e também para esta Folha Regional. Ele se orgulhava por ter as crônicas publicadas nos jornais e, por isso, os guardava com muito cuidado. Meu primo Júlio, neto de tio Nargino, encontrou esses jornais e garimpou algumas crônicas. Como homenagem ao tio, que talvez tenha sido um dos primeiros jornalistas da família, reproduzo uma dessas crônicas abaixo.

O Idealista
‘Quando menino, em noites frias, para matar o tempo eu me aconchegava em uma padaria, cujo padeiro, Sr. João, enquanto preparava a massa conversava com os amigos, falando de seus sonhos: queria ser comissário de café. Naquela época, este era um dos cargos mais importantes. O comissário exercia a posição de um banqueiro, muitas vezes até invejado. O padeiro fazia suas conjecturas: mudaria daqui e voltaria como outro homem. Voltaria pilotando um carro esporte azul, usando terno de linho inglês 120, como comprador de café. Esse nosso herói era natural do nosso município, pro lado dos Cardosos, e se chamava João Fernandes Balduíno. Ele deixou a padaria, perambulou por Cabo Verde e municípios vizinhos agenciando compras de cereais, mas não foi feliz. Porém, teve uma real experiência, se adaptando naquilo que almejava. Mudou se para Santos. Por uns tempos, ninguém teve notícias do ex padeiro. Quatro anos se passaram quando, em Muzambinho, no melhor hotel da cidade, se hospedou um senhor usando roupas de linho fino, chapéu Panamá e pilotando um reluzente carro esporte azul. Muitos não se lembravam mas por curiosidade quis saber quem era o personagem. Verifiquei na portaria: era um comprador de café, de Santos, e se chamava João Fernandes Balduíno. Não foi profecia cumprida, foi um ideal realizado.’
Anargino de Assis Dias

Por hoje é isso. Semana que vem tem mais. Até lá.

(Raul Dias Filho)
O autor é jornalista e repórter especial da Record TV
E-mail: [email protected]

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